Jornal Médico - “É muito importante ouvir os doentes”

Em entrevista exclusiva ao nosso jornal, o l&iacute;der da organiza&ccedil;&atilde;o que re&uacute;ne os cl&iacute;nicos gerais de todo o mundo garante que n&atilde;o existem mudan&ccedil;as reais nos sistemas de sa&uacute;de sem que se oi&ccedil;am os doentes, se interliguem as profiss&otilde;es e se renovem os recursos J&aacute; &eacute; um adepto incondicional da reforma portuguesa dos Cuidados de Sa&uacute;de Prim&aacute;rios. De visita a Portugal, Richard Roberts (o presidente eleito da WONCA Mundial) inspirou os participantes no 25&ordm; Encontro Nacional com a sua vis&atilde;o humanista sobre o papel do m&eacute;dico de fam&iacute;lia. Para o futuro l&iacute;der da organiza&ccedil;&atilde;o que re&uacute;ne os cl&iacute;nicos gerais de todo o mundo, n&atilde;o existem mudan&ccedil;as reais nos sistemas de sa&uacute;de sem que se oi&ccedil;am os doentes, se interliguem as profiss&otilde;es e se renovem os recursos. Durante a curta visita que realizou &agrave; Unidade de Sa&uacute;de Familiar Al-Gharb, Richard Roberts afirma ter visto isso, e muito mais. Sobre o actual panorama internacional que envolve a Medicina Geral e Familiar, Richard Roberts acredita que &eacute; for&ccedil;oso encontrar um equil&iacute;brio est&aacute;vel entre o velho o novo: aproveitar a empatia que os m&eacute;dicos de fam&iacute;lia souberam, desde sempre, cultivar e juntar-lhe o poder de novas ferramentas M&eacute;dico de Fam&iacute;lia &ndash; Foi-lhe dada a conhecer a realidade dos centros de sa&uacute;de (CS) e unidades de sa&uacute;de familiar (USF) em Portugal, nomeadamente com uma passagem por Faro e pela USF Al-Gharb. Aquilo que viu e ouviu enquadra-se no novo paradigma de Medicina Familiar que considera imprescind&iacute;vel desenvolver? Richard Roberts &ndash; Sim, sem d&uacute;vida. Os m&eacute;dicos de fam&iacute;lia (MF) com quem contactei t&ecirc;m acesso a um bom registo electr&oacute;nico. O sistema de informa&ccedil;&atilde;o parece tamb&eacute;m eficaz e oferece agilidade suficiente para melhorar os cuidados prestados. Depois, nesta unidade em espec&iacute;fico, est&atilde;o tamb&eacute;m dispon&iacute;veis servi&ccedil;os adicionais, como radiologia, com a possibilidade de envio imediato de imagens para outros locais. S&atilde;o factores positivos, que promovem a rapidez da resposta e a proximidade. Por outro lado, os doentes adoram esta disponibilidade, porque ficam mais perto de meios de diagn&oacute;stico relevantes, sem necessidade de desloca&ccedil;&otilde;es. Tamb&eacute;m j&aacute; est&atilde;o mais pr&oacute;ximos dos profissionais de sa&uacute;de, gra&ccedil;as ao e-mail, segundo me foi relatado. Por&eacute;m, o que achei mais interessante foi ouvir da boca do coordenador da USF que est&aacute; a trabalhar mais e que mesmo assim se sente feliz. Isto diz muito sobre a qualidade da organiza&ccedil;&atilde;o. Defende que os m&eacute;dicos se renderam &agrave;s novas tecnologias, na sua vida privada, mas que procuram evit&aacute;-las na sua pr&aacute;tica profissional. O que se passa, exactamente? Antes de mais, para cada nova tecnologia que surge &eacute; necess&aacute;rio perguntar se funciona, se tem m&eacute;ritos. Depois, &eacute; necess&aacute;rio saber se &eacute; poss&iacute;vel dissemin&aacute;-la e aprender a faz&ecirc;-lo bem. Neste campo, o papel das associa&ccedil;&otilde;es profissionais &eacute; muito importante e, pelo que sei, aqui em Portugal tem sido feito um trabalho de fundo, com equipas preparadas a irem juntos dos profissionais, no terreno. No que respeita ao uso das novas tecnologias, o que digo &eacute; muito simples: n&atilde;o devem existir tabus no consult&oacute;rio, se eles n&atilde;o existirem fora dele. Quem usa o e-mail na sua vida pessoal, tem todas as raz&otilde;es para o utilizar para fins profissionais. E os doentes sabem respeitar os limites? Julgo que os colegas que ainda n&atilde;o estabeleceram uma rela&ccedil;&atilde;o de abertura com os seus doentes devem perder o receio. N&atilde;o h&aacute; que ter temor de se ser chamado a toda a hora pela raz&atilde;o mais insignificante. Quando permito aos meus doentes que tomem a iniciativa de me contactar, por telefone ou e-mail, por exemplo, estou a dar uma nota de confian&ccedil;a. &Eacute; assim que tudo se deve passar, porque uma rela&ccedil;&atilde;o m&eacute;dico/paciente saud&aacute;vel tem de ser bidireccional. Na verdade, os receios s&atilde;o infundados porque mesmo que os doentes abusem da confian&ccedil;a uma ou duas vezes h&aacute; a possibilidade de transformar esta interac&ccedil;&atilde;o em aprendizagem. N&atilde;o duvido, por um momento, que temos a capacidade de ensinar as pessoas a reagirem a novas propostas. Tudo isto no pressuposto de que existe um compromisso, com regras claras, entre o m&eacute;dico e cada um dos seus pacientes. Nos EUA, verific&aacute;mos que quando o conceito de agendamento aberto se come&ccedil;ou a generalizar, muitos m&eacute;dicos ainda se amedrontavam com estas liberdades concedidas a quem os procurava. Uma colega, em particular, disse-me que chegava ao in&iacute;cio da manh&atilde; ao consult&oacute;rio e n&atilde;o encontrava ningu&eacute;m para atender. Era o pavor! Mas o que a experi&ecirc;ncia nos diz &eacute; que os doentes aparecem, mais tarde ou mais cedo, e que as confus&otilde;es imposs&iacute;veis de gerir n&atilde;o passam de um mito. Todavia, nem todos os MF reagem da mesma forma, com certeza. Haver&aacute; uma clara divis&atilde;o entre os mais jovens, que saem das faculdades j&aacute; imersos num universo tecnol&oacute;gico, e os profissionais com d&eacute;cadas de carreira, que necessitam de um empurr&atilde;ozinho&hellip; O que eu costumo dizer aos m&eacute;dicos mais velhos &eacute; que, com toda a certeza, eles n&atilde;o se imaginariam a fazer Medicina hoje como a faziam h&aacute; 40 anos (o que seria ali&aacute;s pouco &eacute;tico). As melhores ferramentas dispon&iacute;veis s&atilde;o para ser utilizadas, mesmo que obriguem a alguma requalifica&ccedil;&atilde;o. Dito isto, nem tudo se torna obsoleto de um dia para o outro. Sen&atilde;o j&aacute; ter&iacute;amos deixado de usar estetosc&oacute;pios h&aacute; muito tempo. Outra &aacute;rea em que novos desafios se colocam &eacute; no processo de comunica&ccedil;&atilde;o que o MF deve encetar em ambiente de consulta, perante doentes que sentem nas suas m&atilde;os mais poder e na sua mem&oacute;ria mais conhecimento. A pr&oacute;pria Internet veio alterar a rela&ccedil;&atilde;o m&eacute;dico-paciente, de maneira quase brutal. Como encara estes fen&oacute;menos? Ah!... Trata-se de uma &aacute;rea fascinante. Sem d&uacute;vida que hoje em dia deve existir uma abordagem sistem&aacute;tica ao processo comunicativo. O que &eacute; extraordin&aacute;rio &eacute; o n&iacute;vel de sofistica&ccedil;&atilde;o a que cheg&aacute;mos. Durante o encontro que mantive com m&eacute;dicos da USF criada em Cascais tomei contacto com um processo de comunica&ccedil;&atilde;o em consulta dividido por sete etapas, que determina com exactid&atilde;o o que fazer a cada passo. O que eu n&atilde;o teria pago por tal ajuda, logo nos primeiros anos de carreira! &Eacute; &oacute;bvio que alguns m&eacute;dicos j&aacute; nascem com esta aptid&atilde;o natural, n&iacute;tida para quem os observa interagindo com os doentes. Todos conhecemos colegas com estas caracter&iacute;sticas, cuja empatia &eacute; palp&aacute;vel, se sente quando atravessamos a porta do consult&oacute;rio. Infelizmente, esta capacidade n&atilde;o &eacute; universal. O que &eacute; interessante &eacute; perceber como se consegue pegar nesta efici&ecirc;ncia de relacionamento com o doente, nesta compreens&atilde;o profunda, e transform&aacute;-la em passos te&oacute;ricos. &Eacute; maravilhoso! Se quisermos fazer uma analogia com o mundo do espect&aacute;culo, &eacute; como se peg&aacute;ssemos na Meryl Streep, em toda aquela capacidade art&iacute;stica e emocional, que toca as pessoas, e a fraccion&aacute;ssemos por trechos que todos podemos assimilar. Nos intervalos das confer&ecirc;ncias, col&oacute;quios e outras iniciativas para as quais &eacute; convidado, tem tido a oportunidade de conhecer as experi&ecirc;ncias de diversos pa&iacute;ses, no que respeita ao desenvolvimento dos Cuidados de Sa&uacute;de Prim&aacute;rios. &Eacute; realmente poss&iacute;vel ou justo comparar trajectos? Penso que &eacute; sempre &uacute;til analisar o que estamos a fazer dentro de portas, atrav&eacute;s de um olhar descomprometido. Posso-lhe dizer que quando vou para fora, quando contacto com colegas de outros pa&iacute;ses, acabo por entender melhor o meu sistema de sa&uacute;de e por descobrir outros valores. Se vou &agrave; &Aacute;frica do Sul e conhe&ccedil;o um m&eacute;dico que cuida de 10 mil pessoas, percebo o que &eacute; efici&ecirc;ncia. Se venho a Portugal e entro em contacto com as USF, entendo o que &eacute; mudan&ccedil;a estruturada. H&aacute; li&ccedil;&otilde;es a aprender um pouco por toda a parte. Tenho de dizer que em Portugal observei circunst&acirc;ncias que me agradaram. Por exemplo, a capacidade dos profissionais se formarem uns aos outros. Se algu&eacute;m est&aacute; a trabalhar num atendimento de adolescentes, vai difundir os seus conceitos e outros ter&atilde;o a possibilidade de os colocar em pr&aacute;tica. Isto &eacute; muito importante, at&eacute; porque pelo que percebi os doentes em Portugal, como em outros locais, exigem cada vez mais que se v&aacute; para l&aacute; de um pacote de oferta b&aacute;sico. Obviamente que existe algo de admir&aacute;vel na MGF e que &eacute; igual em todo o lado: no consult&oacute;rio, depois da porta fechada, s&atilde;o sempre duas pessoas a interagir, m&eacute;dico e doente, face a face. Ainda numa dimens&atilde;o comparativa, parecem existir hist&oacute;rias de sucesso da Medicina Familiar quer no modelo de consult&oacute;rio individual, quer no modelo de grupo, com v&aacute;rios m&eacute;dicos e outros profissionais associados. Ficamos com a convic&ccedil;&atilde;o de que o &ecirc;xito depende mais das pessoas envolvidas do que do tipo de organiza&ccedil;&atilde;o&hellip; Dou-lhe o meu exemplo pessoal, para que se perceba que nem tudo se pinta a preto e branco. Fa&ccedil;o parte de uma das maiores redes de m&eacute;dicos do Estado de Wisconsin, que congrega algo como mil m&eacute;dicos. Trata-se de uma organiza&ccedil;&atilde;o que, no seu conjunto, origina milh&otilde;es de d&oacute;lares de receitas anualmente e promove a concentra&ccedil;&atilde;o de recursos. Por&eacute;m, n&atilde;o olhamos para a organiza&ccedil;&atilde;o simplesmente com um grupo de mil m&eacute;dicos. Ela n&atilde;o est&aacute; sequer desenhada de acordo com um formato aberto. Encontramo-nos divididos por n&uacute;cleos de cinco, seis profissionais, que actuam em interliga&ccedil;&atilde;o. De outro modo, estar&iacute;amos a falar de uma f&aacute;brica de sa&uacute;de, algo que n&atilde;o faz qualquer sentido. J&aacute; que fala de interliga&ccedil;&atilde;o, como analisa as dificuldades pr&oacute;prias do trabalho em equipa multidisciplinar, em conjunto com enfermeiros, psic&oacute;logos e outros profissionais do sector, partilhando benef&iacute;cios e responsabilidades? &Eacute; poss&iacute;vel ultrapassar as pequenas lutas de poder? Dou-lhe um exemplo elucidativo. A cl&iacute;nica em que trabalho celebrizou-se por ser a mais competente, na regi&atilde;o, ao n&iacute;vel do acompanhamento de doentes diab&eacute;ticos. O que estamos a fazer &eacute; assegurar-nos de que n&atilde;o s&atilde;o apenas os m&eacute;dicos que participam nesse esfor&ccedil;o e que colhem os frutos. Queremos que todas pessoas se responsabilizem por estes doentes. Assim, quando a recepcionista telefona a alertar para uma consulta, tamb&eacute;m sabe que deve relembrar o doente para a necessidade de fazer um certo exame, ou de efectuar uma determinada vigil&acirc;ncia preventiva. Os enfermeiros, por seu turno, tomam o encargo de conduzir todo o processo de gest&atilde;o de cada doente, at&eacute; porque os m&eacute;dicos, regra geral, fazem um mau trabalho quando se responsabilizam por deveres que exigem procedimentos met&oacute;dicos, que incorporam automatismos. A preocupa&ccedil;&atilde;o central &eacute; colocar as pessoas certas, nas fun&ccedil;&otilde;es certas, no momento certo. Na realidade, estou cada vez mais convencido de que n&atilde;o conseguiria atingir os objectivos a que me proponho sem a ajuda dos enfermeiros, t&eacute;cnicos de radiologia e outros profissionais de sa&uacute;de que comigo colaboram. &Eacute; praticamente universal a dificuldade de recrutamento de sangue novo para a MGF. H&aacute; alguma receita milagrosa para resolver o assunto? Quem escolhe hoje esta via de realiza&ccedil;&atilde;o profissional? Antes de mais, devemos recordar que todas as especialidades m&eacute;dicas passam por altos e baixos. Tempos houve, nos EUA, em que n&atilde;o se conseguia cativar ningu&eacute;m para Anestesiologia ou para Patologia Cl&iacute;nica, por exemplo. No caso da MGF, h&aacute; ainda que contar com alguns apuros especiais. Sabemos que as faculdades acabam, muitas vezes, por captar alunos que s&atilde;o bons na &aacute;rea das ci&ecirc;ncias, mas pouco dotados de um esp&iacute;rito humanista. Isto tem impacto significativo sobre o n&uacute;mero de m&eacute;dicos que escolhem a nossa especialidade. Para contornar este problema, julgo que seria importante sobretudo come&ccedil;ar por recrutar pessoas mais maduras, do ponto vista intelectual e humano, &agrave; entrada dos cursos. N&atilde;o tenho d&uacute;vidas que se tal acontecer, a triagem dos mais emp&aacute;ticos e sensatos far&aacute; o resto, fornecendo mais e melhor mat&eacute;ria-prima para a MGF. Considera que o meio acad&eacute;mico est&aacute; a treinar convenientemente as novas gera&ccedil;&otilde;es de MF? Certas atitudes correctas dependem da associa&ccedil;&atilde;o de dois factores: compet&ecirc;ncias individuais e anos de pr&aacute;tica bem orientada. Regresso &agrave; minha experi&ecirc;ncia pessoal, para ilustrar os pensamentos que alimento sobre o assunto. H&aacute; algum tempo atr&aacute;s, um jovem interno passou pela minha cl&iacute;nica. Foi a minha sombra, seguindo-me para onde quer que eu fosse. Numa das consultas a que assistiu recebi uma paciente que conhe&ccedil;o h&aacute; 22 anos. Fal&aacute;mos durante largos minutos (eu e a doente), de modo af&aacute;vel e descontra&iacute;do, abordando temas banais do dia-a-dia. Durante esta conversa passei-lhe um peda&ccedil;o de papel e, depois dos cumprimentos da praxe, acompanhei-a at&eacute; &agrave; porta. O interno levantou-se, estupefacto, e interpelou-me: o que est&aacute; a acontecer? N&atilde;o fez nada e vai deixar a senhora sair! A doente mostrou-lhe ent&atilde;o o papel. Nele, aconselhava-a a aumentar a dose do antidepressivo que estava tomar. Tive de explicar &agrave;quele jovem interno &ndash; de queixo ca&iacute;do &ndash; que fora desnecess&aacute;rio usar a palavra depress&atilde;o para perceber o que era necess&aacute;rio fazer. Bastou aquela comunica&ccedil;&atilde;o, a leitura da postura corporal, o olhar, as pequenas nuances lingu&iacute;sticas, para perceber que o problema se deteriorara. Muitos burocratas, decisores pol&iacute;ticos e respons&aacute;veis de departamentos acad&eacute;micos t&ecirc;m dificuldade em entender que este tipo de resultados n&atilde;o &eacute; mensur&aacute;vel, que n&atilde;o pode ser alvo de registo. Fala-se muito da necessidade de redefinir a MGF e de reformar os Cuidados de Sa&uacute;de Prim&aacute;rios, em diversos pa&iacute;ses. Mas ser&aacute; que se presta aten&ccedil;&atilde;o ao que as popula&ccedil;&otilde;es desejam? &Eacute; muito importante ouvir os doentes e qualquer tentativa de reforma n&atilde;o pode deixar de levar isto em conta, em primeiro lugar. At&eacute; porque &eacute; sobre eles que as mudan&ccedil;as incidem, em primeira linha. Na maior parte das circunst&acirc;ncias, as pessoas que tomam decis&otilde;es s&atilde;o VIP, contam sempre com portas de entrada facilitadas no sistema de sa&uacute;de. A sua vis&atilde;o est&aacute; enviesada, necessita de um certo reequil&iacute;brio obtido atrav&eacute;s da audi&ccedil;&atilde;o dos anseios das popula&ccedil;&otilde;es. Muitas das reformas em curso, em v&aacute;rios pa&iacute;ses, centram-se precisamente na equidade de acesso, em cuidados prestados com garantia de qualidade e focados nas necessidades reais dos cidad&atilde;os. Ali&aacute;s, o movimento associado &agrave; qualidade em sa&uacute;de no qual tenho estado envolvido, em conjunto com m&eacute;dicos como o Dr. Lu&iacute;s Pisco, passa exactamente por esse objectivo: proporcionar ao doente a melhor experi&ecirc;ncia poss&iacute;vel, quando entra em contacto com o sistema de sa&uacute;de. A minha sugest&atilde;o &eacute; a seguinte: ou&ccedil;am-se os doentes antes e depois dos te&oacute;ricos e pol&iacute;ticos terem dito de sua justi&ccedil;a e de terem tra&ccedil;ado as regras do jogo. O que n&atilde;o significa que os doentes devam ter poder de veto, at&eacute; porque existem quest&otilde;es t&eacute;cnicas que lhes escapam. Por outro lado, as reformas n&atilde;o s&atilde;o est&aacute;ticas. Sou capaz de apostar que daqui a cinco anos os centros de sa&uacute;de e as USF n&atilde;o ser&atilde;o iguais em Portugal. O pa&iacute;s ser&aacute; diferente, assim como as expectativas. A prop&oacute;sito da altera&ccedil;&atilde;o de expectativas, diria que o advento da Internet e da sociedade de informa&ccedil;&atilde;o veio mexer com a rela&ccedil;&atilde;o entre m&eacute;dico e doente? Sem d&uacute;vida. H&aacute; por&eacute;m que perceber que a Internet e o acesso generalizado a dados cient&iacute;ficos e cl&iacute;nicos pode retirar ao m&eacute;dico a concess&atilde;o exclusiva sobre a informa&ccedil;&atilde;o mais recente, mas n&atilde;o pode substituir a sabedoria, a capacidade t&eacute;cnica e os anos de experi&ecirc;ncia que permitem interpret&aacute;-la correctamente. De qualquer modo, os meus doentes n&atilde;o se assemelham aos que participam nos estudos que as pessoas consultam on-line ou aos ratinhos de laborat&oacute;rio. Os meus ratinhos recebem conselhos e depois v&atilde;o para casa e fumam, bebem, param de tomar a medica&ccedil;&atilde;o e outras coisas que tal. &Eacute; por isso que o m&eacute;dico de fam&iacute;lia tem a no&ccedil;&atilde;o perfeita de que cada paciente &eacute; &uacute;nico. Como todos sabemos, existem tamb&eacute;m resultados cl&iacute;nicos que escapam ao dom&iacute;nio da literatura, ou que n&atilde;o s&atilde;o suficientemente ponderados. Por exemplo, para cada medicamento, em qualquer &aacute;rea terap&ecirc;utica, metade das melhorias registadas numa determinada popula&ccedil;&atilde;o podem ser atribu&iacute;veis ao efeito placebo. E quanto mais perfeita for a empatia do m&eacute;dico, mais potente ser&aacute; esse efeito. WONCA procura crescer Em 2010, Richard Roberts vai assumir a lideran&ccedil;a da WONCA Mundial. Durante tr&ecirc;s anos pretende introduzir altera&ccedil;&otilde;es na organiza&ccedil;&atilde;o, tentando aliar avan&ccedil;os cient&iacute;ficos com uma capacidade incrementada de financiamento. De facto, apesar de ser uma organiza&ccedil;&atilde;o onde est&atilde;o representados mais de duzentos mil m&eacute;dicos de fam&iacute;lia (MF), a WONCA Mundial possui apenas um staff fixo de duas pessoas, uma estrutura de suporte ainda algo incipiente para a sua dimens&atilde;o e reduzidos meios econ&oacute;micos. Nada que a impe&ccedil;a de disponibilizar, desde j&aacute;, v&aacute;rios recursos cient&iacute;ficos e de forma&ccedil;&atilde;o importantes, adaptados &agrave;s necessidades da Medicina Familiar. Contudo, &eacute; poss&iacute;vel ir mais longe. Por isso, Richard Roberts pretende implementar uma plataforma electr&oacute;nica onde se partilhe o acesso a artigos cient&iacute;ficos de interesse para a MGF, previamente revistos por membros credenciados. "Todos os membros credenciados e inscritos ficariam obrigados a um n&uacute;mero m&iacute;nimo de revis&otilde;es. Tal compromisso dar-lhes-ia o direito de aceder &agrave; restante informa&ccedil;&atilde;o disponibilizada na plataforma. Para os colegas que n&atilde;o quisessem publicar revis&otilde;es, os artigos poderiam ser fornecidos mediante um determinado valor, a pagar mensal ou anualmente", adianta Richard Roberts. Esta poderosa ferramenta teria igualmente a capacidade de ajudar a angariar fundos para a organiza&ccedil;&atilde;o, atrav&eacute;s da inser&ccedil;&atilde;o de pop-ups, links, patroc&iacute;nios, subscri&ccedil;&otilde;es, etc., ao mesmo tempo que disseminaria conhecimento validado por MF experientes. A plataforma em causa baseia-se num motor de busca tradicional, mas pretende gerar apenas informa&ccedil;&atilde;o cl&iacute;nica fi&aacute;vel, que inspire confian&ccedil;a aos seus membros. Richard Roberts garante que j&aacute; trocou algumas ideias sobre o projecto com grandes companhias, mas que provavelmente a WONCA ter&aacute; de liderar ela pr&oacute;pria o processo de desenvolvimento da plataforma: "o assunto chegou a ser discutido com respons&aacute;veis da empresa Google, que estavam interessados em levar por diante uma iniciativa nestes moldes. Por&eacute;m, os intentos da companhia e os nossos n&atilde;o convergem em absoluto, pelo que uma alian&ccedil;a parece estar, por enquanto, descartada". Outro dossier que dever&aacute; ocupar o m&eacute;dico norte-americano, entre 2010 e 2013, &eacute; a explora&ccedil;&atilde;o do potencial que acompanha a terceira vers&atilde;o da International Classification of Primary Care (ICPC). Esta vers&atilde;o da classifica&ccedil;&atilde;o internacional criada pela WONCA ter&aacute; de conquistar novos territ&oacute;rios em definitivo, tornando-se um instrumento realmente &uacute;til "no centro de Nova Iorque e, em simult&acirc;neo, numa qualquer parte rec&ocirc;ndita de &Aacute;frica", como adianta Richard Roberts. A nova lideran&ccedil;a da WONCA est&aacute; tamb&eacute;m a envidar esfor&ccedil;os para expandir a influ&ecirc;ncia desta classifica&ccedil;&atilde;o para al&eacute;m dos limites restritos da MGF. O presidente eleito da organiza&ccedil;&atilde;o garante que &eacute; poss&iacute;vel rentabilizar este trabalho de s&iacute;ntese, realizado no seio do Comit&eacute; de Classifica&ccedil;&atilde;o Internacional da WONCA: "estamos neste momento em negocia&ccedil;&otilde;es com a OMS, no sentido de que a sua classifica&ccedil;&atilde;o ICD 11 se construa em torno das bases da ICPC 3. Esta ser&aacute; uma eventual forma de financiamento, quase in&eacute;dita. Recordo que, em anteriores vers&otilde;es da ICPC, poucos pa&iacute;ses pagaram sequer &agrave; WONCA por uma licen&ccedil;a nacional".

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