Jornal Médico - "Hoje, as universidades só têm meios cursos de Medicina"

At&eacute; 2020, as faculdades de Medicina portuguesas v&atilde;o formar cerca de 22.500 novos m&eacute;dico... At&eacute; 2020, as faculdades de Medicina portuguesas v&atilde;o formar cerca de 22.500 novos m&eacute;dicos. Mas a capacidade formativa do Servi&ccedil;o Nacional de Sa&uacute;de, em termos de internatos de especialidade, andar&aacute; &agrave; volta dos 14.500. Neste cen&aacute;rio, cerca de 8 mil m&eacute;dicos n&atilde;o ter&atilde;o hip&oacute;tese de fazer o internato da especialidade. Na opini&atilde;o do Prof. Ant&oacute;nio Sousa Pereira, presidente do conselho directivo do Instituto de Ci&ecirc;ncias Biom&eacute;dicas Abel Salazar, esta realidade tem que ser discutida entre o Minist&eacute;rio da Ci&ecirc;ncia, Tecnologia e Ensino Superior e o Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de. Em Portugal, "a Universidade tem estado, tradicionalmente, afastada da p&oacute;s-gradua&ccedil;&atilde;o m&eacute;dica, mas agora est&aacute;-se a criar uma realidade nova e penso que as escolas m&eacute;dicas ir&atilde;o ter um papel importante a desempenhar", defende. Ali&aacute;s, na sua perspectiva, o problema de recursos humanos que actualmente a MGF enfrenta, deriva de uma enorme falta de planeamento a m&eacute;dio e longo prazo, situa&ccedil;&atilde;o que importa acautelar no futuro Jornal M&eacute;dico de Fam&iacute;lia - Qual a import&acirc;ncia que atribui &agrave; realiza&ccedil;&atilde;o do IV Encontro Nacional de Medicina Geral e Familiar das Faculdades de Medicina? Prof. Doutor Ant&oacute;nio Sousa Pereira - A Medicina Geral e Familiar foi, durante muitos anos, o parente pobre do ensino m&eacute;dico. Este estava muito centrado no hospital e na enfermaria. Penso que, cada vez mais, temos que evoluir para sistemas que assentam na Medicina Geral e Familiar como sendo a pe&ccedil;a fundamental que estrutura um servi&ccedil;o de sa&uacute;de. &Eacute; importante come&ccedil;ar a incutir estas no&ccedil;&otilde;es nos estudantes desde os primeiros anos do curso, pois n&atilde;o imagino um sistema de sa&uacute;de universal que n&atilde;o tenha, como pe&ccedil;a estruturante e de base, os cuidados de sa&uacute;de prim&aacute;rios. Como se processam os est&aacute;gios dos alunos do ICBAS nos centros de sa&uacute;de? Realiz&aacute;mos um acordo muito alargado com a Administra&ccedil;&atilde;o Regional de Sa&uacute;de do Norte, no sentido de todos os centros de sa&uacute;de desta regi&atilde;o colaborarem, potencialmente, no ensino da Medicina Geral e Familiar. Neste momento, estamos a tentar criar uma rede de centros de sa&uacute;de afiliados para onde enviar os nossos alunos, tanto na cidade como em ambiente rural. Realiz&aacute;mos, tamb&eacute;m, acordos com diversas c&acirc;maras municipais, que v&ecirc;em a presen&ccedil;a de estudantes nas suas regi&otilde;es como uma mais-valia. Tudo isso exige uma estrutura de coordena&ccedil;&atilde;o que garanta a defini&ccedil;&atilde;o de um conjunto de objectivos pedag&oacute;gicos, m&eacute;todos de ensino e compet&ecirc;ncias a atingir, atrav&eacute;s dessa viv&ecirc;ncia dos nossos alunos nos cuidados de sa&uacute;de prim&aacute;rios. Obriga, por outro lado, &agrave; realiza&ccedil;&atilde;o de encontros peri&oacute;dicos entre os respons&aacute;veis pela forma&ccedil;&atilde;o nos centros de sa&uacute;de e a equipa do departamento de Medicina Geral e Familiar do ICBAS. Num segundo n&iacute;vel, &eacute; importante juntar os representantes de todas as escolas m&eacute;dicas para trocar experi&ecirc;ncias, como aconteceu no IV Encontro Nacional de Medicina Geral e Familiar das Faculdades de Medicina, realizado recentemente no ICBAS. Na confer&ecirc;ncia que proferiu sobre o curso de Medicina em Portugal: realidade actual e perspectiva futura, no &acirc;mbito do IV Encontro Nacional de MGF das Faculdades de Medicina, referiu-se &agrave; quest&atilde;o dos recursos humanos. Neste momento, existe uma situa&ccedil;&atilde;o de d&eacute;fice nos CSP mas, dentro de alguns anos, poder&aacute; haver excesso de m&eacute;dicos de fam&iacute;lia? Creio que isso poder&aacute; acontecer em todas as &aacute;reas da Medicina. Mas isso depende do que se entender por excesso. Ou seja, haver&aacute; excesso de m&eacute;dicos se o pa&iacute;s erguer uma barreira de tijolo, de v&aacute;rios metros de altura, para que ningu&eacute;m consiga sair de c&aacute;. Mas se considerarmos que vivemos num mundo globalizado e que, hoje em dia, os m&eacute;dicos circulam livremente no mercado de trabalho - h&aacute; pa&iacute;ses, inclusive na Europa, que s&atilde;o importadores cr&oacute;nicos de m&eacute;dicos - provavelmente essa quest&atilde;o n&atilde;o poder&aacute; ser pensada dessa forma. Repare: as escolas m&eacute;dicas n&atilde;o pertencem, nem ao Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de, nem &agrave; Ordem dos M&eacute;dicos. Pertencem ao Minist&eacute;rio da Ci&ecirc;ncia, Tecnologia e Ensino Superior. A fun&ccedil;&atilde;o da universidade, neste contexto, &eacute; formar m&eacute;dicos com qualidade e, na medida do poss&iacute;vel, responder aos anseios dos jovens portugueses, sem estarmos preocupados se v&atilde;o ter emprego no Servi&ccedil;o Nacional de Sa&uacute;de, ou n&atilde;o. Hoje em dia, o Reino Unido importa anualmente 25% dos m&eacute;dicos que entram no Servi&ccedil;o Nacional de Sa&uacute;de ingl&ecirc;s. Existe at&eacute; um organismo cuja fun&ccedil;&atilde;o &eacute; recrutar m&eacute;dicos estrangeiros para trabalharem em Inglaterra. O que eu pergunto &eacute;: com que direito podemos impedir os nossos jovens de irem trabalhar para o estrangeiro? A quest&atilde;o do excesso de m&eacute;dicos &eacute;, assim, relativa. Temos &eacute; que possuir mecanismos que garantam que continuam aptos para o desempenho de fun&ccedil;&otilde;es nessa &aacute;rea. Ora, isso conduz-nos &agrave; necessidade de organizar o sistema da forma&ccedil;&atilde;o p&oacute;s-graduada em Portugal. Em Portugal, a Universidade tem estado, tradicionalmente, afastada da p&oacute;s-gradua&ccedil;&atilde;o m&eacute;dica, mas agora est&aacute;-se a criar uma realidade nova. Penso que as universidades ir&atilde;o ter a&iacute; um papel importante a desempenhar, em conjunto com outras organiza&ccedil;&otilde;es. Nos primeiros meses deste ano, muitos m&eacute;dicos de fam&iacute;lia decidiram pedir a reforma antecipada. Esse facto poder&aacute; ter consequ&ecirc;ncias ao n&iacute;vel da forma&ccedil;&atilde;o p&oacute;s-graduada na Medicina Geral e Familiar? Penso que sim. Foi adiantada a possibilidade de o Minist&eacute;rio recorrer a contratos com esses m&eacute;dicos para continuarem a garantir fun&ccedil;&otilde;es assistenciais. Mas uma coisa &eacute; a fun&ccedil;&atilde;o assistencial e outra, a exist&ecirc;ncia de condi&ccedil;&otilde;es para a forma&ccedil;&atilde;o dentro dos servi&ccedil;os. Para que um servi&ccedil;o de sa&uacute;de tenha capacidade formativa, seja na Medicina Geral e Familiar ou ao n&iacute;vel de outra especialidade, &eacute; preciso que haja uma vida cient&iacute;fica muito pr&oacute;pria dentro das unidades de sa&uacute;de, que n&atilde;o tem apenas a ver com a realiza&ccedil;&atilde;o de consultas, mas com um ambiente de discuss&atilde;o interna e de comprometimento das pessoas com o projecto de forma&ccedil;&atilde;o. Isso preocupa-me porque penso que, com estas reformas antecipadas, haver&aacute; servi&ccedil;os que v&atilde;o perder a idoneidade enquanto locais de forma&ccedil;&atilde;o. Defende, ent&atilde;o, ao n&iacute;vel do ensino p&oacute;s-graduado, uma maior aproxima&ccedil;&atilde;o entre o Minist&eacute;rio da Ci&ecirc;ncia, Tecnologia e Ensino e o Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de? N&atilde;o era mau que falassem... Estamos a "pagar" esse afastamento? E o que dizer da falta de planeamento? Estamos a "pagar", de facto, pela enorme falta de planeamento a m&eacute;dio e longo prazo. A situa&ccedil;&atilde;o remonta ao final dos anos 80 quando fecharam, drasticamente, as entradas nas faculdades de Medicina. Isso paga-se...&agrave; dist&acirc;ncia. Mas voltando &agrave; quest&atilde;o anterior, o que acontece actualmente &eacute; que temos uma rela&ccedil;&atilde;o muito estreita com as estruturas do Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de. No limite, quase podemos dizer que as universidades s&oacute; t&ecirc;m meios cursos de Medicina. Os outros meios cursos est&atilde;o nos hospitais. Ao n&iacute;vel da p&oacute;s-gradua&ccedil;&atilde;o ter&aacute; que haver um di&aacute;logo muito estreito entre o Minist&eacute;rio da Ci&ecirc;ncia, Tecnologia e Ensino Superior e o Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de, que tutela os hospitais, sem os quais n&atilde;o fazemos m&eacute;dicos. O ICBAS realizou um acordo muito alargado com a Administra&ccedil;&atilde;o Regional de Sa&uacute;de do Norte, no sentido de todos os centros de sa&uacute;de desta regi&atilde;o colaborarem no ensino da Medicina Geral e Familiar At&eacute; 2020, as faculdades de Medicina portuguesas v&atilde;o formar cerca de 22.500 novos m&eacute;dicos. Mas a capacidade formativa do Servi&ccedil;o Nacional de Sa&uacute;de, andar&aacute; &agrave; volta dos 14.500. Neste cen&aacute;rio, haver&aacute; cerca de 8 mil m&eacute;dicos n&atilde;o ter&atilde;o hip&oacute;tese de fazer o internato da especialidade. Penso que faria todo o sentido discutir esta problem&aacute;tica sentando &agrave; mesma mesa os respons&aacute;veis de ambos os Minist&eacute;rios. Levando sempre em linha de conta que, obviamente, o Minist&eacute;rio da Ci&ecirc;ncia, Tecnologia e Ensino Superior n&atilde;o pode limitar-se apenas &agrave;s pretens&otilde;es do Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de. Tem que ouvir tamb&eacute;m os anseios da sociedade relativamente &agrave; forma&ccedil;&atilde;o m&eacute;dica. Ali&aacute;s, o Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de n&atilde;o tem que empregar todos os m&eacute;dicos que se formam. O que temos todos que garantir &eacute; que, depois da universidade, v&atilde;o ter a forma&ccedil;&atilde;o complementar de que necessitam para exercer, em Portugal ou noutros pa&iacute;ses do mundo. H&aacute; quem considere que a sociedade portuguesa n&atilde;o perde nada em ter m&eacute;dicos "a mais"... Eu tamb&eacute;m penso que n&atilde;o. Mas h&aacute; quem considere que as faculdades de Medicina s&oacute; deveriam admitir o n&uacute;mero de m&eacute;dicos que o Servi&ccedil;o Nacional de Sa&uacute;de for capaz de absorver. E nem mais um! Essa &eacute; a vis&atilde;o corporativista? N&atilde;o partilho dessa vis&atilde;o. Persiste a ideia de que em Portugal, as m&eacute;dias necess&aacute;rias para entrar nos cursos de Medicina s&atilde;o das mais altas da Europa. &Eacute; verdade? N&atilde;o. O que acontece &eacute; que se apresenta o problema de uma forma deturpada e sensacionalista. As m&eacute;dias foram de tal modo inflacionadas, que as pessoas da nossa gera&ccedil;&atilde;o, quando ouvem falar, hoje em dia, de m&eacute;dias de 18,5 ficam chocadas. &Eacute; que, no nosso tempo, ningu&eacute;m tirava 18,5. Os nossos professores do Secund&aacute;rio eram muito mais "unhas de fome" e n&atilde;o se alargavam por a&iacute; al&eacute;m nas notas. Criou-se o mito de que, em Portugal, a entrada no curso de Medicina &eacute; dif&iacute;cil, quando n&atilde;o &eacute;. Neste momento, &eacute; muito mais f&aacute;cil do que em Espanha, por exemplo. Penso que o ambiente que se criou, atrav&eacute;s da enorme press&atilde;o que existe sobre os cursos de Medicina, n&atilde;o ir&aacute; durar muitos anos. Desaparecer&aacute; quando se come&ccedil;ar a constatar que t&ecirc;m uma sa&iacute;da equivalente &agrave; de outras licenciaturas. Qual &eacute; a propor&ccedil;&atilde;o, em Portugal, entre os alunos que entram em Medicina e aqueles que escolhem o curso como primeira op&ccedil;&atilde;o? &Eacute; de 1 para 2,8. E em Espanha? A propor&ccedil;&atilde;o &eacute; de 1 para 7. Outro "mito" diz respeito &agrave; situa&ccedil;&atilde;o de muitos jovens portugueses que, ao n&atilde;o conseguirem entrar em Medicina no nosso pa&iacute;s, optaram por ir estudar para o estrangeiro. O Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de chegou a ponderar a possibilidade de lhes oferecer condi&ccedil;&otilde;es para acabarem o curso em Portugal. H&aacute; a ideia de que a grande maioria n&atilde;o entrou nas faculdades portuguesas por uma quest&atilde;o de d&eacute;cimas... Ser&aacute; mesmo assim? Esse assunto j&aacute; foi debatido v&aacute;rias vezes. Admito que poder&iacute;amos ir buscar alguns estudantes, mas n&atilde;o todos, nem a maioria. Se aument&aacute;ssemos os n&uacute;meros clausus dos cursos de Medicina em Portugal, muitos jovens que foram estudar para o estrangeiro n&atilde;o seriam abrangidos porque t&ecirc;m m&eacute;dias muito baixas. Persiste, na sociedade portuguesa, a ideia de que os m&eacute;dicos n&atilde;o s&oacute; n&atilde;o t&ecirc;m problemas em arranjar emprego como s&atilde;o extremamente bem pagos. Essa ideia continua a corresponder &agrave; realidade? Existe uma fantasia muito grande entre aquilo que as pessoas pensam que &eacute; o emprego m&eacute;dico e a realidade. Sendo certo que h&aacute; uma gera&ccedil;&atilde;o de profissionais extremamente bem pagos, isso j&aacute; n&atilde;o &eacute; verdade para os jovens internos e jovens especialistas. Mas as ideias pr&eacute;-concebidas s&atilde;o as mais dif&iacute;ceis de desaparecer. Muitos v&atilde;o atr&aacute;s de uma miragem que j&aacute; n&atilde;o existe.

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