Jornal Médico - “O debate sobre o SNS não apresentava fracturas… Até aparecer o Dr. Passos Coelho”

Antecessor de Ana Jorge na chefia do Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de e actualmente eurodeputado em Estrasburgo, Correia de Campos... Antecessor de Ana Jorge na chefia do Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de e actualmente eurodeputado em Estrasburgo, Correia de Campos garantiu ao M&eacute;dico de Fam&iacute;lia que Portugal tem raz&otilde;es mais do que suficientes para se orgulhar do sistema de sa&uacute;de p&uacute;blico que construiu: "o pa&iacute;s tem, a justo t&iacute;tulo, a possibilidade de celebrar um dos maiores sucessos sociais dos &uacute;ltimos cinquenta anos. O SNS, criado em 1979, &eacute; um dos &ecirc;xitos da democracia portuguesa, um mecanismo de igualiza&ccedil;&atilde;o social sem paralelo" O eurodeputado considera que o SNS tem coleccionado feitos extraordin&aacute;rios - ainda desconhecidos por muitos dos seus utilizadores - e que merecem vir &agrave; ribalta, numa jornada de festejo nacional: "num per&iacute;odo de tempo em que a tecnologia da sa&uacute;de avan&ccedil;ou tremendamente e se registaram dram&aacute;ticas evolu&ccedil;&otilde;es demogr&aacute;ficas, ter um sistema de sa&uacute;de que n&atilde;o s&oacute; universalizou o acesso como ainda foi capaz de se modernizar, &eacute; algo de fant&aacute;stico e que merece celebra&ccedil;&atilde;o". Relativamente &agrave;s restri&ccedil;&otilde;es financeiras do SNS, que tanta tinta t&ecirc;m feito correr, Correia de Campos afirma que a quest&atilde;o deve ser colocada, antes de mais, no seu devido contexto: "o problema da sustentabilidade financeira p&otilde;e-se em rela&ccedil;&atilde;o ao SNS como em rela&ccedil;&atilde;o aos sistemas mais liberais do mundo. Os EUA apostaram num modelo ultra-liberal que provou ser insustent&aacute;vel, j&aacute; que consumia 15% a 16% do PIB. Se olharmos para Fran&ccedil;a, por exemplo, onde a Seguran&ccedil;a Social paga parte substancial das despesas com sa&uacute;de, encontramos dificuldades financeiras para acompanhar o aumento das necessidades da popula&ccedil;&atilde;o, as transforma&ccedil;&otilde;es verificadas ao n&iacute;vel das patologias e a evolu&ccedil;&atilde;o tecnol&oacute;gica". Apesar de tudo, o homem que assumiu por duas vezes a pasta da Sa&uacute;de em governos socialistas pensa que n&atilde;o se deve encarar o aumento de custos como uma fatalidade, irremedi&aacute;vel. "A an&aacute;lise comparada dos pa&iacute;ses da OCDE mostra que as na&ccedil;&otilde;es mais desenvolvidas cresceram muito na sua despesa com Sa&uacute;de, nas d&eacute;cadas de 70 e 80, mas que desaceleraram na d&eacute;cada de 90 e da&iacute; em diante. Se, no in&iacute;cio, estes pa&iacute;ses cresciam entre 5% a 7% ao ano, hoje crescem a 2,5%, ou 3%. Portugal, at&eacute; 2005, cresceu em mat&eacute;ria de despesas de sa&uacute;de a uma taxa anual nunca inferior a 5%. Contudo, desde esse ano a subida foi sempre menor. Ou seja, o sistema chegou a um ponto de maturidade, deixou de precisar de tantos novos servi&ccedil;os, unidades e hospitais. Temos, hoje, a clara no&ccedil;&atilde;o de que &eacute; poss&iacute;vel conter a despesa", refere Correia de Campos. Em suma, o eurodeputado est&aacute; convicto de que a sustentabilidade financeira do sistema de sa&uacute;de n&atilde;o &eacute; "uma preocupa&ccedil;&atilde;o espec&iacute;fica de Portugal, mas sim algo que caracteriza os diversos pa&iacute;ses e sistemas de sa&uacute;de". Justi&ccedil;a social n&atilde;o pode materializar-se via SNS Entre os 27 pa&iacute;ses da Uni&atilde;o Europeia, Portugal situa-se entre aqueles cuja popula&ccedil;&atilde;o mais paga do seu bolso para fazer face a despesas com Sa&uacute;de (cerca de 23% do total das despesas com a presta&ccedil;&atilde;o de cuidados). "N&atilde;o se coloca, entre n&oacute;s, a possibilidade de ampliar muito a despesa custeada pelas fam&iacute;lias. &Eacute; poss&iacute;vel fazer, neste momento de recupera&ccedil;&atilde;o e de estabilidade financeira, alguns ajustes, mas se os aumentos para as fam&iacute;lias forem significativos, corremos o risco de descaracterizar o SNS. Deixamos de ter um servi&ccedil;o universal, para ter um sistema dual, que diferencia ricos e pobres!", esclarece o deputado europeu. Para o ex-ministro da Sa&uacute;de, os portugueses devem entender, de uma vez por todas, que a justi&ccedil;a social n&atilde;o pode ser alcan&ccedil;ada atrav&eacute;s da diferencia&ccedil;&atilde;o de servi&ccedil;os e de pagamentos no seio do SNS, mas antes pela correc&ccedil;&atilde;o da m&aacute;quina fiscal, que alimenta directamente o sistema de sa&uacute;de: "o SNS n&atilde;o corrige injusti&ccedil;as fiscais. Estas devem ser, necessariamente, corrigidas em sede fiscal. N&atilde;o podemos tolerar, de forma alguma, compensa&ccedil;&otilde;es a posteriori, dentro do SNS". Para Correia de Campos, &eacute; indispens&aacute;vel, tamb&eacute;m, "reduzir dedu&ccedil;&otilde;es fiscais em sa&uacute;de, que beneficiam os titulares de rendimentos mais elevados. N&atilde;o &eacute; indiferente o facto de 44% dos portugueses n&atilde;o pagarem IRS e n&atilde;o encontrarem, como tal, benef&iacute;cios fiscais de qualquer esp&eacute;cie. Enquanto n&atilde;o alterarmos esta situa&ccedil;&atilde;o, fazemos figura de pa&iacute;s exposto a injusti&ccedil;as". Convidado a comentar a actual representatividade do sector privado na &aacute;rea da Sa&uacute;de, Correia de Campos recusa a ideia de uma expans&atilde;o generalizada nos &uacute;ltimos dec&eacute;nios: "desde sempre, o sector privado representou cerca de 20% das camas dispon&iacute;veis, sendo ainda dominante em alguns tipos de consultas de ambulat&oacute;rio e de tratamentos. Em &aacute;reas como a radiologia, radioterapia, fisioterapia, di&aacute;lise renal, entre outras, o sector privado &eacute; e sempre foi predominante. O que se est&aacute; a passar nos &uacute;ltimos tr&ecirc;s a quatro anos - com o aparecimento de 700 camas, em alguns hospitais constru&iacute;dos de raiz pelos grupos privados -, &eacute; somente a concentra&ccedil;&atilde;o do ambulat&oacute;rio nestas grandes unidades hospitalares, algumas das quais se assemelham a gigantescas policl&iacute;nicas, com dezenas ou centenas de gabinetes. Ao mesmo tempo, assistimos ao encerramento de muitos consult&oacute;rios privados, um pouco por todo o pa&iacute;s". Reviravoltas partid&aacute;rias Um dos signat&aacute;rios do manifesto em defesa do SNS, surgido em resposta &agrave;s inten&ccedil;&otilde;es de revis&atilde;o constitucional do Partido Social Democrata (PSD), Correia de Campos frisa que foi a actual lideran&ccedil;a laranja quem abriu uma guerra descabida em torno do SNS: "o debate sobre o SNS n&atilde;o apresentava fracturas, antes de aparecer o Dr. Passos Coelho. Conv&eacute;m relembrar que no ano passado se celebraram os 30 anos do SNS, entre um coro de louvores. Lembro-me de encontros com a participa&ccedil;&atilde;o de pessoas da esquerda, da direita, de todos os quadrantes pol&iacute;ticos, com a generalidade dos palestrantes a mencionar o SNS como um instrumento de moderniza&ccedil;&atilde;o e de igualdade. Tudo isto foi cantado em hosanas, em loas! N&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel, alguns meses depois, desfazer-se a orienta&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica dominante no PSD e surgir uma nova orienta&ccedil;&atilde;o, extremista". Correia de Campos enfatiza o facto de os sociais-democratas sempre terem trabalhado em prol de um SNS pujante, de Leonor Beleza ter dado origem a uma Lei de Bases da Sa&uacute;de que ainda vigora, ap&oacute;s vinte anos, mantendo-se actual e proveitosa. "Existia um consenso &oacute;bvio, na sociedade portuguesa. Quem tenta destruir esse consenso s&atilde;o os ide&oacute;logos neo-liberais que circundam o Dr. Passos Coelho e que querem instaurar em Portugal um sistema inexistente em qualquer parte do mundo", acusa o eurodeputado. Para o ex-professor da Escola Nacional de Sa&uacute;de P&uacute;blica, &eacute; vital que os tutores do SNS venham a p&uacute;blico contribuir para um debate esclarecido junto dos cidad&atilde;os: "h&aacute;, de facto, ideias sedutoras nas teorias que defendem um SNS virado para os pobrezinhos. Estas pessoas sustentam um sistema em que a regra geral &eacute; o pagamento e a excep&ccedil;&atilde;o o n&atilde;o pagamento (reservado para os mais carenciados). Exactamente o oposto do que se passa hoje. Mas &eacute; preciso dizer aos portugueses que apoiar a competi&ccedil;&atilde;o aberta entre o sistema p&uacute;blico e o privado, com pagamentos pela mesma tabela, &eacute; caminhar para a destrui&ccedil;&atilde;o da oferta p&uacute;blica. O sector privado n&atilde;o tem de manter as portas das urg&ecirc;ncias abertas, n&atilde;o tem responsabilidades de forma&ccedil;&atilde;o de m&eacute;dicos e enfermeiros ou de investiga&ccedil;&atilde;o cient&iacute;fica. Por outro lado, pode dispensar pessoal quando lhe apetecer, algo que n&atilde;o sucede no SNS. Dito isto, a ideia da competi&ccedil;&atilde;o - aparentemente muito atraente - acaba por revelar-se injusta e irrealiz&aacute;vel". A concluir, Correia de Campos promete que a dist&acirc;ncia e as suas fun&ccedil;&otilde;es em Estrasburgo n&atilde;o o impedir&atilde;o de, nas pr&oacute;ximas semanas e meses, ser uma voz activa a proteger os nobres ideais do SNS. "Sei, ali&aacute;s, que estou acompanhado nesta miss&atilde;o por milhares de m&eacute;dicos de fam&iacute;lia que t&ecirc;m o SNS na mais alta estima", alerta o eurodeputado.

Terceiro espaço

Mais lidas