Jornal Médico - “O SNS tem tido, ao longo dos últimos 20 anos, um sub-financiamento crónico”

Manuela Arcanjo, actualmente professora auxiliar do Departamento de Economia do Instituto Superior de Economia e Gest&atilde;o (ISEG)... Manuela Arcanjo, actualmente professora auxiliar do Departamento de Economia do Instituto Superior de Economia e Gest&atilde;o (ISEG), foi ministra da Sa&uacute;de entre 1999 e 2001, num governo liderado por Ant&oacute;nio Guterres. A economista sublinhou ao M&eacute;dico de Fam&iacute;lia a import&acirc;ncia da cria&ccedil;&atilde;o e manuten&ccedil;&atilde;o do SNS para o avan&ccedil;o civilizacional da sociedade portuguesa, ao longo das &uacute;ltimas tr&ecirc;s d&eacute;cadas, pelo que considera que existem muitas e boas raz&otilde;es para comemorar a exist&ecirc;ncia deste modelo assistencial. "De entre os dom&iacute;nios de interven&ccedil;&atilde;o do Estado em Portugal, o SNS constitui - a par, por exemplo, do ensino universit&aacute;rio - um exemplo do que pode ser alcan&ccedil;ado para os cidad&atilde;os. Com efeito, ao longo das &uacute;ltimas d&eacute;cadas temos obtido indicadores que nos posicionam na escala europeia, lado a lado com pa&iacute;ses com estruturas mais antigas e mais exigentes, em termos financeiros. Devemos, sem demagogias, celebrar este esfor&ccedil;o p&uacute;blico e a dedica&ccedil;&atilde;o dos m&eacute;dicos, enfermeiros e restantes profissionais de sa&uacute;de", avan&ccedil;a a ex-titular da pasta. Na medida em que foi escolhida por Ant&oacute;nio Guterres para o cargo gra&ccedil;as a compet&ecirc;ncias na vertente econ&oacute;mico-financeira, o nosso jornal n&atilde;o poderia deixar de indagar junto de Manuela Arcanjo se as actuais contas do SNS legitimam, no seu ponto de vista, um sentimento de inquietude. Mais, interessava ouvir a ex-ministra sobre as reais possibilidades do SNS entrar em colapso, face &agrave;s despesas galopantes que enfrenta. Na opini&atilde;o de Manuela Arcanjo, o SNS ter&aacute; nos pr&oacute;ximos anos o cinto cada vez mais apertado, j&aacute; que a b&uacute;ssola do investimento p&uacute;blico (influenciada pelos principais partidos) parece apontar para outros azimutes: "no quadro das fort&iacute;ssimas restri&ccedil;&otilde;es financeiras que o pa&iacute;s enfrenta - e que se poder&atilde;o prolongar nos pr&oacute;ximos anos - temo que n&atilde;o haja efectiva capacidade de decis&atilde;o pol&iacute;tica em termos de prioridades e de afecta&ccedil;&atilde;o dos recursos p&uacute;blicos. O SNS tem tido, ao longo dos &uacute;ltimos 20 anos, um sub-financiamento cr&oacute;nico, face &agrave;s necessidades reais do sistema, que infelizmente podemos comparar com o disp&ecirc;ndio de receitas fiscais em &aacute;reas n&atilde;o priorit&aacute;rias". Privados n&atilde;o s&atilde;o, per si, a raiz do mal Sobre a crescente influ&ecirc;ncia dos agentes privados na &aacute;rea da Sa&uacute;de, que tantas e t&atilde;o profundas altera&ccedil;&otilde;es tem provocado no SNS, a professora do ISEG apresenta uma vis&atilde;o pluralista: "sempre defendi que o sector privado pode ter um papel importante no sistema de sa&uacute;de, em complementaridade com o SNS, actuando nas &aacute;reas e na presta&ccedil;&atilde;o de servi&ccedil;os que o Estado/Governo considerar importante do ponto de vista do cidad&atilde;o/utente. Por outro lado, sempre rejeitei a presen&ccedil;a de entidades privadas movidas apenas por uma mera &aacute;rea de neg&oacute;cio, com acordos e financiamento garantido pelo Estado". J&aacute; no que respeita &agrave; diferencia&ccedil;&atilde;o de pagamentos para a presta&ccedil;&atilde;o de cuidados de sa&uacute;de no interior do SNS, em conson&acirc;ncia com os rendimentos de cada fam&iacute;lia, Manuela Arcanjo aconselha grande prud&ecirc;ncia, face &agrave;s inefici&ecirc;ncias do fisco e &agrave; complexidade que preside ao acto de determinar os proveitos de cada utente e o seu real poder financeiro: "a diferencia&ccedil;&atilde;o do pagamento de um servi&ccedil;o p&uacute;blico em Portugal - seja na sa&uacute;de, seja na educa&ccedil;&atilde;o - enfrenta uma dificuldade que v&aacute;rios governos n&atilde;o t&ecirc;m conseguido ultrapassar e que se relaciona com a credibilidade das declara&ccedil;&otilde;es fiscais, em termos dos rendimentos efectivos. A introdu&ccedil;&atilde;o deste princ&iacute;pio iria gerar injusti&ccedil;as graves, mesmo que n&atilde;o pusesse em causa a presta&ccedil;&atilde;o para os utentes considerados mais carenciados". A acad&eacute;mica reconhece que o SNS se tem revelado, ao longo de d&eacute;cadas, um dos "dom&iacute;nios de maior influ&ecirc;ncia pol&iacute;tica e, n&atilde;o poucas as vezes, de debates que n&atilde;o reflectem os problemas, desafios e solu&ccedil;&otilde;es, mas os pontos de vista divergentes (por vezes, camuflados) sobre o papel do Estado". No meio deste jogo, esbo&ccedil;ado por estrategas partid&aacute;rios, ide&oacute;logos e spin doctors, Manuela Arcanjo diz-se imperturb&aacute;vel: "sempre defendi e defenderei o SNS. Considero no entanto que a melhor forma de o fazer &eacute; reflectir sobre o seu modelo de financiamento, j&aacute; que a austeridade financeira manter-se-&aacute; nos pr&oacute;ximos anos e diversos factores - de todos conhecidos - determinam um esfor&ccedil;o financeiro acrescido, na presta&ccedil;&atilde;o dos melhores cuidados de sa&uacute;de".

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