Jornal Médico - É preciso expurgar o internato de todos os absurdos

Todos concordam com o fim de alguns desfasamentos e anacronismos que se registam no exame final, como a apresenta&ccedil;&atilde;o de curricula demasiado exaustivos e as provas pr&aacute;ticas com a presen&ccedil;a de utentes. O problema, reconhecem... Reside em passar das ideias aos actos O internato de Medicina Geral e Familiar, na forma como hoje se encontra organizado, tem sido alvo de muitas cr&iacute;ticas, feitas por quem avalia e tamb&eacute;m por quem &eacute; avaliado. Uns e outros defendem o fim de alguns desfasamentos e anacronismos que se registam no exame final, como a apresenta&ccedil;&atilde;o de curricula demasiado exaustivos e as provas pr&aacute;ticas com a presen&ccedil;a de utentes. O problema, reconhecem... Reside em passar das ideias aos actos Em Espinho, a comunidade da Medicina Geral e Familiar (MGF) decidiu, mais uma vez, reflectir sobre o actual modelo de avalia&ccedil;&atilde;o do internato de MGF, em particular no que toca &agrave;s conting&ecirc;ncias da avalia&ccedil;&atilde;o final e da sua prova tripartida. Trata-se de um tema recorrente, uma vez que est&aacute; em causa, n&atilde;o s&oacute; o quotidiano de in&uacute;meros formandos e formadores, mas tamb&eacute;m a pr&oacute;pria garantia de qualidade e de equidade no seio da classe profissional. Isabel Santos tem defendido algumas ideias que, no seu entender, poderiam ajudar a transformar o panorama do internato de MGF. Um cen&aacute;rio que tem mesmo que mudar, desde logo porque o "que se faz na avalia&ccedil;&atilde;o final do internato em Portugal n&atilde;o &eacute; feito em mais nenhum outro local do mundo"... E tamb&eacute;m porque o "sistema &eacute; altamente ineficaz, sem capacidade para eliminar as ma&ccedil;&atilde;s podres", denunciou, em Espinho, a directora do Departamento de Cl&iacute;nica Geral/MGF da Faculdade de Ci&ecirc;ncias M&eacute;dicas (FCM) da Universidade Nova de Lisboa. Aos muitos jovens m&eacute;dicos presentes, a professora da FCM reafirmou que os curricula detalhados e volumosos que os internos t&ecirc;m de apresentar na prova curricular do exame final s&atilde;o "um absurdo" e que, embora se encontrem referenciados na legisla&ccedil;&atilde;o, poder&atilde;o obedecer a esquemas mais ligeiros: "&eacute; preciso, sobretudo, que se fale sobre o assunto e se tome posi&ccedil;&atilde;o (...) O curriculum poderia ser substitu&iacute;do por um relat&oacute;rio estruturado, com um n&uacute;mero limite de folhas (dez, por exemplo) definido para todos os candidatos". Mas h&aacute; muito mais coisas a mudar no Internato de MGF, lembrou Isabel Santos. Entre elas, a prova pr&aacute;tica. "Com o recurso a doentes diferentes para cada exame, o que est&aacute; em quest&atilde;o &eacute; a fidedignidade dos resultados. O mesmo se passa, ali&aacute;s, com a prova te&oacute;rica, porque cada membro de j&uacute;ri coloca quest&otilde;es diferentes", apontou a docente. As contas - pesadas - de um modelo ultrapassado Para a professora da FCM, &eacute; descabido que "as entidades respons&aacute;veis" continuem a n&atilde;o ter que prestar "contas de um processo formativo extremamente oneroso". &Eacute; preciso mudar, defendeu em Espinho. Entre outras coisas, &eacute; necess&aacute;rio que passe a haver um relat&oacute;rio anual sobre a efectividade do sistema: "&eacute; importante que um sistema que gasta este volume de recursos seja avaliado com regularidade". De acordo com estimativas partilhadas por Isabel Santos com os congressistas, os custos anuais da avalia&ccedil;&atilde;o final do internato de MGF podem ascender a um milh&atilde;o de euros, para um c&aacute;lculo de apenas 100 internos envolvidos no processo. Para chegar a este n&uacute;mero, a especialista em MGF estabeleceu um valor modesto de 30 euros &agrave; hora e contabilizou o tempo dispendido por avaliadores e avaliados. "Esta &eacute; uma estimativa grosseira, que n&atilde;o leva sequer em considera&ccedil;&atilde;o o tempo dispendido pelos doentes abarcados na avalia&ccedil;&atilde;o", explica Isabel Santos. No que respeita &agrave;s regras que moldam a ac&ccedil;&atilde;o avaliadora, Isabel Santos mostrou-se adepta de uma especializa&ccedil;&atilde;o imediata: "parece-me importante a profissionaliza&ccedil;&atilde;o das equipas de auditores. De outro modo, as pessoas andam numa roda-viva e nunca ter&atilde;o a capacidade de se apurar nesta actividade". Exame final assemelha-se a roleta russa Ana Calafate terminou recentemente o seu internato de MGF e na sua perspectiva, "as avalia&ccedil;&otilde;es intercalares s&atilde;o muito importantes". Para a rec&eacute;m-especialista h&aacute;, contudo, alguns aspectos que importa rectificar, em particular ao n&iacute;vel da avalia&ccedil;&atilde;o levada a cabo nos hospitais: "os orientadores hospitalares t&ecirc;m uma vis&atilde;o insuficiente do que representa o internato de MGF. Por isso, s&atilde;o quase sempre maus orientadores e avaliadores". Relativamente &agrave; quest&atilde;o do curr&iacute;culo, apontado por Isabel Santos, Ana Calafete confessa: "ningu&eacute;m mais do que os internos desejaria um curriculum leve no exame final, mas essa transforma&ccedil;&atilde;o tem de ser feita com pondera&ccedil;&atilde;o, mediante transforma&ccedil;&otilde;es no contexto legal e regulamentar". Tamb&eacute;m a prova pr&aacute;tica merece reparos de Ana Calafate: "tem muito pouco de consulta de MGF e assemelha-se a um exame de Medicina Interna. Foi o exame que mais me chocou". No entender da rec&eacute;m-especialista, o mais importante &eacute; garantir que, no futuro, a avalia&ccedil;&atilde;o final do internato deixe de ser uma esp&eacute;cie de roleta russa: "tudo fica ref&eacute;m da sorte. Queremos algo mais homog&eacute;neo a n&iacute;vel nacional, que n&atilde;o esteja dependente da sorte nos exames, da sorte nos j&uacute;ris que nos cabem, ou da sorte nas datas em que as provas s&atilde;o marcadas". Prova de amplitude nacional seria bem acolhida Uma das propostas sa&iacute;das do 9&ordm; Encontro de Internos foi a eventual reformula&ccedil;&atilde;o do exame final tripartido, com a inclus&atilde;o de uma prova escrita de abrang&ecirc;ncia nacional. Jos&eacute; Maria Silva Henriques, presidente do Col&eacute;gio de MGF da Ordem dos M&eacute;dicos (OM), mostrou-se receptivo a esta sugest&atilde;o mas pensa que h&aacute; ainda muito trabalho de defini&ccedil;&atilde;o por fazer: "pessoalmente nada tenho contra uma prova nacional, mas &eacute; preciso determinar quem far&aacute; estes testes. Ser&aacute; o Col&eacute;gio? Ser&atilde;o as Coordena&ccedil;&otilde;es de Internato?". Sobre o documento com normas de elabora&ccedil;&atilde;o do curriculum vitae a apresentar no exame final de internato, recentemente disponibilizado no site da OM e recebido com alguma desconfian&ccedil;a, Silva Henriques garantiu, em Espinho, que o mesmo mais n&atilde;o &eacute; do que um gui&atilde;o de suporte: s&atilde;o "apenas linhas de orienta&ccedil;&atilde;o, normas, que podem ser seguidas ou n&atilde;o". O presidente do Col&eacute;gio de MGF assume que o modelo de avalia&ccedil;&atilde;o final do internato, contido no programa de forma&ccedil;&atilde;o da &aacute;rea de especializa&ccedil;&atilde;o de MGF (Portaria n.&ordm; 300/2009, de 24 de Mar&ccedil;o) poder&aacute; n&atilde;o ser o ideal, mas sublinha que este nasceu de um contexto particular e que n&atilde;o deve ser encarado como um envelope fechado: "h&aacute; aqui quest&otilde;es pol&iacute;ticas a considerar. Ou o Col&eacute;gio tinha feito finca-p&eacute; e hoje n&atilde;o ter&iacute;amos programa de forma&ccedil;&atilde;o, ou obt&iacute;nhamos aquilo que hoje est&aacute; ao nosso dispor. &Eacute; importante que as futuras gera&ccedil;&otilde;es e o pr&oacute;prio Col&eacute;gio, daqui em diante, se dediquem a aperfei&ccedil;oar a situa&ccedil;&atilde;o actual".

Terceiro espaço

Mais lidas