Jornal Médico - Prevenção: o perigo da disease mongering

Enquanto que ao n&iacute;vel da preven&ccedil;&atilde;o prim&aacute;ria, secund&aacute;ria e terci&aacute;ria, existem recomenda&ccedil;&otilde;es dispon&iacute;veis para os m&eacute;dicos de fam&iacute;lia, a quatern&aacute;ria situa-se ainda numa zona de fronteira. A disease mongering, ou "venda de doen&ccedil;a", surge aqui como um problema real Enquanto que ao n&iacute;vel da preven&ccedil;&atilde;o prim&aacute;ria, secund&aacute;ria e terci&aacute;ria, existem recomenda&ccedil;&otilde;es dispon&iacute;veis para os m&eacute;dicos de fam&iacute;lia, a quatern&aacute;ria situa-se ainda numa zona de fronteira. A disease mongering, ou "venda de doen&ccedil;a", surge aqui como um problema real. Esta estrat&eacute;gia &eacute; utilizada por algumas companhias com o objectivo de alargar o mercado de venda de medicamentos e de exames complementares de diagn&oacute;stico. Em algumas situa&ccedil;&otilde;es, a estrat&eacute;gia consegue transformar pessoas saud&aacute;veis em "doentes" A "oficina" sobre preven&ccedil;&atilde;o e estilos de vida esteve a cargo dos m&eacute;dicos de fam&iacute;lia Jaime Correia de Sousa, Carlos Martins e Raquel Braga. Entre todos, conseguiram gerir uma sala t&atilde;o cheia que, &agrave; falta de melhor, os internos e jovens m&eacute;dicos de fam&iacute;lia optaram por sentar-se no ch&atilde;o ou em cima das mesas de apoio, situadas ao fundo da sala, para grande espanto e sobressalto dos t&eacute;cnicos de som e inform&aacute;tica que normalmente acompanham cada sess&atilde;o do congresso. "Cuidado com os cabos!"..., "&Oacute; menina, olhe que me desliga o computador...", protestavam, ami&uacute;de. Tiveram que decorrer v&aacute;rios minutos para que cada um encontrasse o seu lugar...sentado ou de p&eacute;...Mas, apesar da sess&atilde;o durar cerca de duas horas, ningu&eacute;m abandonou a sala. Porqu&ecirc;? A resposta est&aacute; na vivacidade, bom humor e dinamismo que os tr&ecirc;s m&eacute;dicos de fam&iacute;lia conseguiram imprimir &agrave; sess&atilde;o. Proposta de trabalho arranca com preven&ccedil;&atilde;o prim&aacute;ria e secund&aacute;ria Apesar da falta de espa&ccedil;o, Jaime Correia de Sousa deu indica&ccedil;&otilde;es para a organiza&ccedil;&atilde;o de grupos de trabalho. A sess&atilde;o arrancou, assim, com a apresenta&ccedil;&atilde;o do caso cl&iacute;nico de Carolina, de 30 anos de idade. "Os registos cl&iacute;nicos n&atilde;o evidenciam quaisquer problemas m&eacute;dicos ou heredit&aacute;rios. N&atilde;o existe hist&oacute;ria de consumo de medicamentos, excepto paracetamol. Na &uacute;ltima consulta, n&atilde;o foram identificados h&aacute;bitos tab&aacute;gicos, consumo de &aacute;lcool ou de drogas...", ia relatando Carlos Martins. Com base neste caso, os grupos de trabalho foram convidados a apresentar propostas de actividades preventivas aconselh&aacute;veis para a Carolina, no &acirc;mbito da preven&ccedil;&atilde;o prim&aacute;ria e secund&aacute;ria. Regra geral, as propostas coincidiram. Apesar disso, os formadores aproveitaram a discuss&atilde;o para, de forma sucinta, definirem os conceitos relativos a estes dois n&iacute;veis de preven&ccedil;&atilde;o. Preven&ccedil;&atilde;o contra a sobremedicaliza&ccedil;&atilde;o constitui o 4&ordm; n&iacute;vel de preven&ccedil;&atilde;o O caso do Pedro, de 56 anos, &eacute; mais complexo. Depois de uma longa aus&ecirc;ncia, h&aacute; cerca de seis meses voltou &agrave; consulta do m&eacute;dico de fam&iacute;lia. Entre outros, foi-lhe identificada uma press&atilde;o arterial de 160/90 mmHg, colesterol total de 280 mg e triglic&eacute;ridos da ordem dos 130 mg/dl. Os valores de IMC apontavam para 28Kg/m2 e a glicemia em jejum, para 80 mg. A discuss&atilde;o dos grupos situa-se agora sobretudo ao n&iacute;vel da preven&ccedil;&atilde;o terci&aacute;ria, definida por Carlos Martins como a "ac&ccedil;&atilde;o que visa reduzir os efeitos cr&oacute;nicos de um problema de sa&uacute;de num indiv&iacute;duo ou numa popula&ccedil;&atilde;o, minimizando a incapacidade funcional secund&aacute;ria ou problema de sa&uacute;de ou cr&oacute;nico". O m&eacute;dico de fam&iacute;lia institui a terap&ecirc;utica indicada ao caso do Pedro, prescrevendo ainda um check-up card&iacute;aco. Nos meses seguintes, a situa&ccedil;&atilde;o deste utente &eacute; monitorizada pela enfermeira de fam&iacute;lia. Tudo corre bem at&eacute; que, um dia, o paciente volta de novo &agrave; consulta para pedir conselho. Por indica&ccedil;&atilde;o do filho, recorrera &agrave; consulta de um jovem internista. Este insistiu que a sua press&atilde;o arterial deveria baixar, a todo o custo, para menos de 130/60. O IMC teria que ser inferior a 25 Kg/m2 e o colesterol total situar-se abaixo dos 180 mg. O m&eacute;dico prescreveu-lhe aspirina e &aacute;cido f&oacute;lico. Disse-lhe ainda para realizar um check-up cardiovascular completo, recomendando-lhe, por &uacute;ltimo, que consultasse um urologista para efectuar um exame completo da pr&oacute;stata, incluindo PSA e ecografia. O caso &eacute; real, garante Jaime Correia de Sousa. Pelas suas caracter&iacute;sticas, insere-se no &acirc;mbito da preven&ccedil;&atilde;o quatern&aacute;ria (ac&ccedil;&atilde;o que visa identificar pacientes em risco de sobremedicaliza&ccedil;&atilde;o, protegendo-os de invas&atilde;o m&eacute;dica adicional e sugerindo-lhes procedimentos eticamente aceit&aacute;veis). Disease mongering &eacute; alimentada por interesses econ&oacute;micos Contrariamente &agrave; preven&ccedil;&atilde;o prim&aacute;ria, secund&aacute;ria e terci&aacute;ria, para as quais existem recomenda&ccedil;&otilde;es baseadas na evid&ecirc;ncia cient&iacute;fica, Carlos Martins alerta que a "fronteira" da preven&ccedil;&atilde;o quatern&aacute;ria n&atilde;o est&aacute; ainda bem definida. Por isso, recomenda a leitura de um conjunto de documentos, dispon&iacute;veis para download no portal mgfamiliar.net, sobre disease mongering ou venda de doen&ccedil;a, uma estrat&eacute;gia que visa "alargar os limites da doen&ccedil;a" e, por conseguinte, o mercado de venda de medicamentos e exames complementares de diagn&oacute;stico. De acordo com Jaime Correia de Sousa, a disease mongering &eacute; alimentada por muitas companhias com interesses econ&oacute;micos nestas &aacute;reas. O objectivo consiste em "transformar pessoas saud&aacute;veis em doentes". A s&iacute;ndrome das pernas inquietas, disfun&ccedil;&atilde;o sexual feminina, pr&eacute;-menopausa, fibromialgia e a s&iacute;ndrome pr&eacute;-menstrual, s&atilde;o alguns exemplos t&iacute;picos de doen&ccedil;as cuja preval&ecirc;ncia &eacute; exagerada - normalmente, atrav&eacute;s de campanhas na imprensa m&eacute;dica e leiga -, com o objectivo de aumentar o n&uacute;mero de diagn&oacute;sticos e, consequentemente, a prescri&ccedil;&atilde;o de medicamentos e MCDT.

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