Jornal Médico - Morrer em casa é “direito inalienável”

"&Agrave; transcend&ecirc;ncia da morte n&atilde;o se pode responder com a indignidade de uma morte cruel, prolongada e sequestrada... "&Agrave; transcend&ecirc;ncia da morte n&atilde;o se pode responder com a indignidade de uma morte cruel, prolongada e sequestrada, longe das coisas e das pessoas queridas", defende o m&eacute;dico de fam&iacute;lia Juan G&eacute;rvas. Morrer em casa "&eacute; um direito inalien&aacute;vel" que a sociedade deve exigir. Neste novo paradigma, "os cuidados ao doente terminal e ao moribundo s&atilde;o a express&atilde;o essencial do compromisso do m&eacute;dico de fam&iacute;lia com o paciente" A morte parece a ant&iacute;tese da vida e, no entanto, faz parte do ciclo dos seres vivos. "Todo o ser humano morrer&aacute;. Nascemos na inconsci&ecirc;ncia desse facto e parece que se pretende alcan&ccedil;ar um estado similar antes de morrermos", afirmou o m&eacute;dico de fam&iacute;lia e investigador Juan G&eacute;rvas na mesa redonda do XVII Encontro dedicada aos Cuidados ao doente terminal. Com o desenvolvimento social, a educa&ccedil;&atilde;o, a redistribui&ccedil;&atilde;o da riqueza e a melhoria dos cuidados m&eacute;dicos, "as causas de morte mudaram, mas n&atilde;o a morte. N&atilde;o pode assustar-nos que algo seja a principal causa de morte, pois sempre haver&aacute; uma causa mais frequente"... Morte tornou-se mais inumana De acordo com o coordenador da equipa CESCA (Grupo Multiprofissional de Investiga&ccedil;&atilde;o, Estudo e Ensino nos Cuidados de Sa&uacute;de Prim&aacute;rios), ao aumento da esperan&ccedil;a de vida corresponde um aumento de anos de vida com depend&ecirc;ncia. "H&aacute; cem anos, a morte chegava aos quarenta e, agora, aos oitenta". Mas enquanto que, h&aacute; um s&eacute;culo atr&aacute;s, "a morte era r&aacute;pida e surgia normalmente na sequ&ecirc;ncia de um acidente ou de uma infec&ccedil;&atilde;o, agora chega depois de anos de deteriora&ccedil;&atilde;o f&iacute;sica e mental". Na perspectiva do investigador, isto "representa um fracasso da sociedade, que n&atilde;o conseguiu dar resposta ao desejo de uma larga vida com uma morte curta". &Eacute; tamb&eacute;m "um fracasso da Medicina", argumenta, pois a morte tornou-se "cada vez mais inumana. Transferimos o paciente para o hospital, para onde est&aacute; a t&eacute;cnica, quando o mais l&oacute;gico seria levar essa capacidade t&eacute;cnica e m&eacute;dica t&atilde;o perto do domic&iacute;lio quanto poss&iacute;vel". Algo est&aacute; errado nessa aspira&ccedil;&atilde;o social de ignorar a morte... Hoje, "as pessoas podem receber em casa todo o tipo de servi&ccedil;os, desde a imprensa escrita &agrave; r&aacute;dio, &agrave; televis&atilde;o, aos livros ou aos imensos recursos da Internet ". Em compara&ccedil;&atilde;o, "em Medicina, a tecnologia &eacute; sequestrada nos hospitais. Para aceder a esses servi&ccedil;os, &eacute; preciso deslocar-se. Desta forma, os doentes terminais acabam por receber servi&ccedil;os sincopados e pouco coordenados, nas consultas externas, nas urg&ecirc;ncias e tamb&eacute;m no domic&iacute;lio, por parte das equipas de terminais". &Eacute; que, como explica o m&eacute;dico, " elas podem ter uma composi&ccedil;&atilde;o e fun&ccedil;&otilde;es vari&aacute;veis mas, regra geral, desenvolvem-se a partir de equipas multiprofissionais para o seguimento de doentes oncol&oacute;gicos terminais". Em princ&iacute;pio, "pretendem complementar os m&eacute;dicos de fam&iacute;lia e ter um papel de apoio nos cuidados ao domic&iacute;lio. Mas, regra geral, acabam por monopolizar o trabalho, do qual se auto-excluem os m&eacute;dicos de fam&iacute;lia e os pacientes acabam os seus dias no hospital, como resultado de um esfor&ccedil;o terap&ecirc;utico est&eacute;ril e inumano". Em consequ&ecirc;ncia, "o m&eacute;dico de fam&iacute;lia tem cada vez menos doentes terminais. Neste c&iacute;rculo infernal, o MF acaba por n&atilde;o ter capacidade para fazer o seu seguimento, por falta de pr&aacute;tica e a convencer-se de que &eacute; melhor que esses doentes sejam atendidos pelos especialistas que sabem disso". Resta o recurso &agrave;s unidades de cuidados paliativos "onde, mais uma vez, se oferecem servi&ccedil;os que obrigam os doentes a abandonar o domic&iacute;lio e esperar ali a morte, afastados da vida, condenados a partilhar os &uacute;ltimos momentos com outros condenados &agrave; morte". Estas unidades, na opini&atilde;o de Juan G&eacute;rvas, "desempenham, na perfei&ccedil;&atilde;o, a aspira&ccedil;&atilde;o social de ignorar a morte". A dignidade da vida tamb&eacute;m conta Na perspectiva do m&eacute;dico de fam&iacute;lia, "nem sempre viver &eacute; a melhor op&ccedil;&atilde;o, se isso significar a simples manuten&ccedil;&atilde;o aut&oacute;noma das constantes vitais". A dignidade da vida e a integridade humana tamb&eacute;m contam, defende. Sendo a morte um acontecimento inevit&aacute;vel, no caso dos doentes terminais, o objectivo do m&eacute;dico dever&aacute; ser "ajudar a morrer com dignidade". Nesta perspectiva, "os cuidados ao doente terminal e ao moribundo s&atilde;o a express&atilde;o essencial do compromisso do m&eacute;dico de fam&iacute;lia com o paciente". Implicam "o estabelecimento de uma rela&ccedil;&atilde;o pessoal que &eacute; muito mais do que uma simples rela&ccedil;&atilde;o, pois transforma-se num compromisso de vida, numa aposta para conseguir que os pacientes morram depois do seu m&eacute;dico". Quando n&atilde;o se consegue vencer essa aposta, Juan G&eacute;rvas afirma que o m&eacute;dico de fam&iacute;lia dever&aacute; oferecer servi&ccedil;os ao domic&iacute;lio que ajudem o paciente a morrer de forma digna. Nomeadamente, conseguindo "limitar o esfor&ccedil;o diagn&oacute;stico e racionalizar o esfor&ccedil;o terap&ecirc;utico". "Morrer em casa &eacute; um direito inalien&aacute;vel", que a sociedade deve exigir, acrescenta: "&agrave; transcend&ecirc;ncia da morte n&atilde;o se pode responder com a indignidade de uma morte cruel, prolongada e sequestrada, longe das coisas e das pessoas queridas". Experi&ecirc;ncias do IPO e da ULSM em destaque Nesta ampla abordagem da problem&aacute;tica do doente terminal, participaram igualmente Ferraz Gon&ccedil;alves, coordenador da Unidade de Cuidados Paliativos do IPO do Porto, e as m&eacute;dicas de fam&iacute;lia Andreia Cerejo e Ilda Gon&ccedil;alves, da USF Porta do Sol. Ambas integram a equipa multidisciplinar de suporte em cuidados paliativos da Unidade Local de Sa&uacute;de (ULS) de Matosinhos, em actividade desde 2008. De acordo com estudos referidos pelas m&eacute;dicas de fam&iacute;lia, numa lista de 1.500 utentes de um m&eacute;dico de fam&iacute;lia existe, em m&eacute;dia, um doente terminal por ano.

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