Jornal Médico - “Crescer em Casa”: Cuidar para evitar hospitalizações

O projeto “Crescer em Casa” – reconhecido pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) e desenvolvido pela Equipa de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) da Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) Península Azul, em Setúbal – presta cuidados de saúde no domicílio a crianças ou jovens com doença crónica complexa, oferecendo-lhes um cuidar com qualidade, no conforto do seu ambiente familiar. Configura, ainda, um apoio aos cuidadores. É um projeto recente, com início em 2016, que se tem vindo a afirmar, necessitando de ser reforçado a vários níveis para que se consiga chegar a um maior número de crianças e jovens. De acordo com a enfermeira responsável pelo projeto “Crescer em Casa”, Raquel Santos, a doença crónica complexa na Pediatria existe, “embora haja um mito nas sociedades ocidentais de que as crianças e jovens não têm doenças limitantes da vida ou ameaçadoras da mesma, correndo a ideia de que estas doenças só afetam os adultos.” Contando com uma vasta experiência na área da Pediatria, enquanto enfermeira no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, a enfermeira lidou de perto com as dificuldades vividas por várias crianças/jovens e suas famílias, que vivem com doença crónica complexa. Foi assim que a agora enfermeira da UCC Península Azul resolveu propor a integração deste projeto na ECCI, com o intuito de colocar em prática o desejo de ajudar crianças e jovens com doença crónica complexa, bem como as respetivas famílias, a fazer frente aos desafios diários decorrentes destas situações. A primeira experiência começou em 2016, com uma bebé prematura que, hoje em dia, já está integrada numa escola, algo que deixa a enfermeira muito orgulhosa. Na altura, à semelhança do que acontece atualmente, o gestor de caso da ECCI ficou encarregue de identificar quais as principais necessidades daquela criança e da sua família, articulando, posteriormente, com todos os profissionais, equipas e setores necessários para obter uma resposta adequada à situação. “Muitas vezes, há necessidade de articular com outros setores para além da Saúde, como, por exemplo, a Segurança Social, juntas de freguesia, autarquias, associações de doentes, entre outros”, refere. O principal objetivo ao oferecer este tipo de apoio domiciliário às famílias é evitar que as crianças e jovens tenham múltiplos internamentos, proporcionando-lhes todo o apoio e cuidados de saúde que necessitam no domicílio. Desta forma, as famílias passam a ter uma alternativa ao hospital, algo que até aqui não era possível. Estas equipas, trabalhando em proximidade, prestando cuidados personalizados e possuindo conhecimentos e meios diferenciados, mostram grande eficácia no descontrolo sintomático (motivo principal de ida à urgência) e na tranquilização das crianças e jovens doentes e das famílias pela prestação de cuidados antecipatórios com consequente minimização da ansiedade e do medo do imprevisível e do desconhecido. “Sem a nossa equipa, em caso de alguma necessidade aguda, a criança teria de recorrer ao Serviço de Urgência do hospital da sua área de residência e eventualmente, ficar internada”, explica a enfermeira responsável pelo projeto. “Não basta uma enfermeira com boa vontade…” Até agora, este projeto conseguiu acompanhar oito crianças desde a sua implementação, poderemos pensar que é um número reduzido de crianças e jovens acompanhados, mas o lema será sempre focado na qualidade e não na quantidade e face aos recursos de várias ordens que o projeto dispõe não poderá abranger mais crianças e jovens simultaneamente. Atualmente, o “Crescer em Casa” funciona apenas com uma enfermeira enquanto gestora de caso da ECCI, mas com outras equipas como consultoras, caso as necessidades avaliadas assim o exijam. É o caso por exemplo da Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP). “Não basta haver uma enfermeira com experiência e com boa vontade. É preciso existir toda uma equipa com empenho, dotada de recursos humanos, físicos, carros, telemóveis… Mas, infelizmente, ainda não é isso que acontece”, lamenta, acrescentando já se vão conseguindo parecerias a níveis fundamentais de acompanhamento destas crianças e jovens como por exemplo por parte do hospital da nossa área de abrangência, nomeadamente junto das unidades de Pediatria”. Esta articulação, sublinha, é uma mais-valia para ambas as partes, na medida em que todos os envolvidos têm um conhecimento mais aprofundado do estado de saúde da criança, podendo, eventualmente, desenvolver um conjunto de estratégias mais adequadas a cada situação. Segundo a coordenadora da UCC Península Azul, Margarida Castro Ferreira, “uma Unidade de Cuidados na Comunidade presta cuidados de saúde e apoio psicológico e social, às pessoas, famílias e grupos mais vulneráveis, que exigem acompanhamento próximo no seu domicílio. É constituída por uma equipa multiprofissional com intervenção assistencial a vários níveis. Para além da ECCI – onde este projeto está integrado – existe ainda a Saúde Materna, a Saúde Escolar, a CPCJ/NARCJ/ELI. Integra ainda vários projetos de intervenção comunitária em parceria com a Câmara Municipal Setúbal. Para a responsável, é “graças à motivação e ao excelente trabalho em equipa” que tem sido possível concretizar o “Crescer em Casa”. No entanto, “com a enfermeira Raquel apenas conseguimos o apoio a duas crianças em simultâneo”, esclarece, adiantando que “o objetivo daqui para a frente será conseguirmos apoiar muitas mais”. Sem esquecer os adolescentes Atualmente, a enfermeira encontra-se a acompanhar, em conjunto com a ECSCP Arrábida, o caso de um jovem de 16 anos, que nasceu com uma paralisia cerebral, resultante de complicações durante o parto. A nossa equipa de reportagem foi conhecer a história de João Sales. Devido à condição de saúde do filho, que tem 99% de incapacidade diagnosticada, Deolinda Sales viu-se obrigada a deixar de trabalhar. Atualmente, mãe e filho vivem com um apoio do Estado de 230 euros/mês, algo que causa um enorme transtorno financeiro a nível familiar, tendo em conta que o pai de João é pescador e nem sempre consegue ter um ordenado fixo. “É um misto de emoções. Há dias em que temos força, há outros em que não temos força nenhuma e ficamos desesperados ao ponto de não saber o que fazer. Nesses dias, choro, fico desmotivada, sem vontade de fazer nada, mas depois percebo que tenho de voltar a ter forças pelo João”, desabafa Deolinda. Quando João era pequeno, a família tentou de tudo, inclusive, pedir um empréstimo ao banco no valor de 15 mil euros para que o filho pudesse fazer alguns tratamentos de saúde em Cuba, durante 28 dias. Na altura, alcançou melhorias notáveis, sobretudo, a nível motor. A família tentou de tudo, desde hidroterapia a tratamentos de medicina chinesa. Atualmente, João conta com o apoio do “Crescer em Casa”, que faz “os possíveis e os impossíveis” para estar disponível e auxiliar sempre que necessário. A importância de capacitar familiares e cuidadores É importante salientar o extraordinário trabalho da ECCI da UCC Península de Setúbal na capacitação dos familiares ou cuidadores responsáveis pelas crianças abrangidas pelo projeto. Graças à dedicação e saber destes profissionais de saúde, as famílias aprendem a realizar todo o tipo de cuidados, desde aspirações, a alimentar os filhos através de uma sonda, a saber posicioná-lo, entre tantas outras coisas. “À medida que vamos avançando, os pais vão ficando cada vez mais autónomos e capacitados para gerir algumas necessidades de saúde dos filhos. Quando chegamos a esta fase, passamos para uma atuação de supervisão, cujo objetivo final será a alta da criança, quando esta é possível, claro!”, explica a responsável pelo projeto. “Quando visitamos o João, percebemos que a mãe estava completamente sobrecarregada, não só física, como psicologicamente. Para ajudá-la a descansar e cuidar de si, decidimos colocar o João numa unidade da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) durante um mês”, afirmou a enfermeira. No entanto, a ligação de Deolinda Sales ao filho é tão forte que não conseguiu passar um único dia sem visitá-lo… No futuro, a ambição da enfermeira Raquel Santos é que o projeto “Crescer em Casa”, o qual desenvolve com tanto carinho e dedicação, possa chegar a um maior número de crianças com doença crónica complexa, passando a poder ser cuidados em casa.” A enfermeira faz questão de sublinhar o apoio da ARSLVT no desenvolvimento deste projeto. “Sinto que estão muito despertos e atentos para esta necessidade e noto que a ARSLVT está preocupada em apoiar, cada vez mais, as crianças e jovens com doença crónica complexa, em contexto domiciliário”, realça.

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