Jornal Médico - Colocar os CSP no centro da comunicação

“Um médico e uma enfermeira encontram-se num bar” foi o título dado pela convidada da conferência inauguração do encontro magno da Medicina Geral e Familiar,o 39.º ENMGF. A enfermeira Carmen Garcia, que quis, assim, contar uma história em que a comunicação é o fio condutor. O que a oradora preconiza é que os Cuidados de Saúde Primários (CSP) se coloquem no centro da comunicação, estando onde as pessoas estão, inclusive nas redes sociais. Para mudar a perceção que existe sobre este nível de cuidados. “Um médico e uma enfermeira encontram-se num bar” foi o título dado pela convidada da conferência inauguração do encontro magno da Medicina Geral e Familiar. Carmen Garcia quis, assim, contar uma história em que a comunicação é o fio condutor. Mas, começou por justificar, perante a audiência, o porque de ser uma enfermeira a proferir estas primeiras palavras. Atualmente em funções numa estrutura residencial para pessoas idosas, é escritora e autora de dois bestsellers infantis, dedicando uma parte importante do seu tempo à educação para a saúde e, acima de tudo, à comunicação em saúde. E na história que se propôs contar neste ENMGF os dois protagonistas encetam um diálogo, em que a enfermeira pergunta ao médico como vai a vida, obtendo como resposta “Vida, qual vida?”. Enquadrando este desabafo, a oradora partilhou números segundo os quais um em cada três profissionais de saúde apresentam um nível de burnout severo, com 58,2% a exibir uma elevada exaustão emocional, 54,6% a darem conta de uma elevada perda de realização profissional e 33,7% a possuírem um nível de despersonalização tal que se reflete numa atitude mais distanciada na prestação de cuidados. “Sabemos que os médicos têm a mais alta taxa de suicídio entre todas as profissões, que mais de 700 situações de violência exercida contra profissionais de saúde aconteceram em 2021”, acrescentou. Para este cenário, contribuiu ainda o facto de médicos e enfermeiros terem perdido salário em sete anos, sendo que “em 11 países, Portugal foi o único onde isto aconteceu”. Carmen Garcia citou ainda um estudo de 2012 segundo o qual 55,6 dos profissionais de saúde inquiridos dedicava mais de 40 horas semanais ao trabalho e 16% dedicavam mais de 50. Além de que 64% estavam com a família menos de 24 horas por semana. A enfermeira trabalhou sempre em cuidados intensivos, nos serviços hospitalares. Mas, dada a situação de pandemia, acabou por ser convidada para a estrutura de apoio de retaguarda: “Nunca trabalhei num imprevisto tão grande como o que encontrei nos CSP”, partilhou. “O que percebi? Que a minha perceção, como a da maioria das pessoas, relativamente aos CSP é uma perceção completamente errada, que existe uma falta de reconhecimento brutal em relação ao que é feito pela Medicina Geral e Familiar”, concluiu. Em sua opinião, importa mudar esta perceção. E, para o fazer, “só há uma forma”: colocar os CSP no centro da comunicação, comunicar os CSP. “Não tem sido feito da forma que acredito desejável”, afirmou, dando conta de que a comunicação só funciona quando os signos utilizados são mutuamente entendíveis. “Não há como a comunicação ser efetiva se comunicamos de uma forma que não é acessível á outra pessoa e não já como isto acontecer se comunicamos fora do sítio onde estão as pessoas”, sublinhou. “Precisamos de ter as pessoas do nosso lado. É muito ingrato quando levantamos problemas, quando nos queixamos e, do outro lado, a empatia não vem. E a verdade é que a empatia não vem, muitas vezes, porque as pessoas não conhecem a realidade em que os CSP trabalham”, reforçou. Deixou, então, o repto sobre o trabalho que é preciso fazer e que passa, em primeiro lugar, por trazer a comunicação para fora do consultório: “A principal comunicação com o doente acontece sempre dentro do consultório, mas não é possível continuar a desprezar a comunicação que acontece para a comunidade. Para comunicarmos com as pessoas, temos de ir aos sítios onde elas estão. E é aí que surge a primeira decisão, porque as pessoas estão em sítios a que os médicos não querem ir”. Referindo-se às redes sociais, defendeu que, para chegar aos mais jovens, a comunicação deve centrar-se aí, enquanto para outros públicos a televisão pode ser o melhor meio. “As redes estão cheias de influenciadores de saúde que não sabem a diferença entre um braço e uma mitocôndria. Quando permitimos que estas pessoas entrem sem haver contraditório, estamos a abrir um espaço enorme para a desinformação”, argumentou. Carmen Garcia reconheceu que a realidade dos profissionais de saúde é difícil, mas advogou que não há como pedir às pessoas que oiçam, quando não se fala com elas nem para elas. “Precisamos das pessoas do nosso lado e isso só acontece se chegarmos até elas”, enfatizou, defendendo a presença no Facebook e no Instagram, deixando cair o preconceito de que as redes sociais são “um buraco negro”. “Não podemos perder este comboio, porque, de cada vez que o perdemos, a desinformação cresce e o nosso papel é substituído por quem não tem competência para o fazer”, reiterou. A finalizar, retomou o diálogo entre a enfermeira e o médico no bar. Já mais velhos, apesar de todas as dificuldades, terminam com um brinde. Porquê? “Porque somos muito resilientes.”

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