Jornal Médico - O papel aterogénico da Lp(a) e a gestão de valores perante risco cardiovascular elevado

O simpósio promovido pela Novartis, intitulado “Setting the scene from lp(a): from buzzword to bedside”, contou com a moderação e intervenção de Erik Stroes, professor de aterosclerose e doença isquémica, Medicina Vascular Experimental e Medicina Vascular da Universidade de Amsterdão. Foram discutidos, em conjunto com os especialistas Jaimini Cegla e Christie Ballantyne, estudos e casos clínicos que evidenciam a associação entre a Lipoproteína (a) e risco aumentado de eventos cardiovasculares. Tomando a palavra, Erik Stroes introduziu a sessão com a definição e o papel da Lipoproteína (a), ou Lp(a), nas doenças cardiovasculares: “A Lp(a) é considerada uma molécula familiar ao colesterol LDL, mas com algumas diferenças significativas, nomeadamente as proteínas apo(a) variam em tamanho devido a um polimorfismo causado por um número variável de repetições kringle IV no gene LPA.” Continuando, referiu que “esta variação no tamanho das proteínas dita a concentração plasmática da molécula: quanto maior o tamanho, menor a excreção de moléculas pelo fígado, e maior a concentração plasmática de Lp(a)”. O especialista destacou ainda que “a Lp(a) tem mais efeitos conhecidos do que o colesterol LDL devido ao conteúdo de fosfolípidos oxidados que desencadeiam uma resposta imune inata. A Lp(a) tem potencial pró-inflamatório, ao qual se somam os efeitos pró-aterogénicos e pró-trombóticos”. De forma resumida, Erik Stroes comparou a Lp(a) com o colesterol LDL assinalando que a Lp(a) “não é apenas outra molécula LDL, mas é uma molécula que sinaliza uma série de proteínas deletérias com efeitos particularmente danosos para a saúde”. “Os níveis plasmáticos de Lp(a) são influenciados, em grande parte (85%), por uma componente genética muito forte (Kronenberg F, et al. Cardiovascular Drugs Therapy.2016; 30(1):87-100), e em estudos observacionais e de associação genética, os níveis elevados de Lp(a) têm sido associados a risco aumentado de enfarte agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca, estenose da válvula aórtica por calcificação, AVC isquémico, doença arterial periférica, mortalidade cardiovascular e mortalidade por todas as causas (Kronenberg F, et al. Atherosclerosis.2023;374:10-120)”. Relativamente à determinação dos níveis de Lp(a), as guidelines da ESC/EAS de 2019 (Mach F, et al. Atherosclorosis.2022;294:80-82; Mach F, et al. European Heart Journal.2020;41(1):111-388) e da Sociedade Cardiovascular Canadiana de 2021 (Pearson Gil, et al.Canadian Journal of Cardiology.2021), recomendam o rastreio pelo menos uma vez na vida adulta. Passando à apresentação do primeiro caso clínico, o palestrante descreveu uma doente de 57 anos, fibromiálgica, não fumadora, que tinha sido submetida a uma intervenção coronária percutânea (PCI) da descendente anterior, com colocação de stent, sem alterações ao exame objetivo, mas com história familiar de doença cardiovascular (pai com EAM aos 59 anos, irmão com PCI aos 62 anos). A doente apresentava os seguintes parâmetros analíticos: CRP=1 mg/l; colesterol total=186 mg/dl; colesterol HDL=54 mg/dl; colesterol LDL=97 mg/dl; triglicéridos=160 mg/dl. Trata-se então de uma doente jovem, sem fatores de risco relevantes, com história familiar de doença cardiovascular e com doença coronária significativa. Neste contexto, a Lp(a) foi testada e demonstrou um valor de 355nmol/L (~145mg/dL). Jaimini Cegla, diretora clínica do Serviço de Lípidos e Risco Cardiovascular do Hospital de Hammersmith de Londres fez notar que, neste caso, os níveis de Lp(a) são considerados claramente elevados (>75-125nmol/L ou 30-50 mg/dl), o que poderá ser a causa de doença cardiovascular prematura. “Segundo um estudo observacional de uma coorte de Copenhaga, 80% das pessoas têm níveis reduzidos ( 50 mg/dl) (Kamstrup PR, et al. JAMA. 2009;301(22):2331-2339; Nordstagaard BG, et al. European Heart Journal.2010.31(23):2844-2853)”, assinalou acrescentando que “conforme o que já foi referido, os níveis plasmáticos de Lp(a) seguem um padrão de hereditariedade autossómica dominante”, sendo que prevalência é marcadamente superior à da hipercolesterolémia familiar. Com efeito, “a componente genética associada a níveis elevados de Lp(a) pode ser explicada com estudos de randomização mendeliana, que correlacionam variantes genéticas com os níveis plasmáticos de Lp(a) com outcomes cardiovasculares, sem sofrer vieses de variáveis de confundimento”. Voltando ao caso clínico, Jaimini Cegla recomendou “integrar os níveis de Lp(a) no cálculo do risco cardiovascular (Kronenberg F, et al. European Heart Journal.2;43(39) 3935-3946.) que pode ser aumentado desde 25%, quando se consideraram apenas os fatores de risco tradicionais, até 43% ao incluir os níveis plasmáticos de Lp(a)”. Do ponto de vista fisiopatológico, “foram conduzidos dois estudos imagiológicos que procuraram investigar o impacto dos níveis elevados de Lp (a) no fenótipo das placas ateroscleróticas: o primeiro estudo (Kaiser et al. Journal of American College of Cardiology.2020;79(3):223-233;), os níveis elevados de Lp(a) foram associados a progressão acelerada das placas de baixa atenuação; já no segundo estudo nos doentes com síndrome coronária aguda e níveis de Lp(a) >30 mg/dl (Kato et al. Int Journal of Cardiology Heart Vasc.2022;43:101120), a prevalência de fibroateroma de capa fina era superior aos doentes com níveis de Lp(a)<30 mg/dl. Desta forma, resumiu, “os resultados destes estudos sugerem que os níveis elevados de Lp(a) estão associados com fenótipos mais vulneráveis das placas ateroscleróticas”. Para esta doente, caso o risco fosse previamente conhecido, poderia ter sido tomada alguma medida, nomeadamente de redução de LDL e controlo de pressão arterial. “Usando a ferramenta que se pode encontrar em lpaclinicalguidance.com, o risco de enfarte do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC) da doente, sem nenhuma intervenção farmacológica com Estatinas, e considerando apenas fatores de risco tradicionais, sem os níveis de Lp(a), seria estimado em 17% e com os níveis de Lp(a) aumentariam para 40%”, assinalou. As principais conclusões do primeiro caso clínico foram: Os níveis de Lp(a) representam um fator de risco hereditário e causal de doença cardiovascular (Cegla J, et al. Atherosclerosis 2019;291:62-70); Os níveis de Lp(a) devem ser sempre avaliados nos doentes que sofreram ou que se encontram em risco de sofrer eventos cardiovasculares; Valores marcadamente elevados de Lp(a) são indicadores de placas ateroscleróticas vulneráveis (Kaiser Y, et al. Journal of the American College of Cardiology.2022) em doentes vulneráveis e permitem identificar famílias vulneráveis (Kato et al. Int Journal of Cardiology Heart Vasc.2022;43:101120). O segundo caso clínico disse respeito a um doente sul-asiático fumador de 64 anos, sujeito a duas intervenções percutâneas com colocação de stent (2020 e 2023), Erik Stroes destacou os seguintes parâmetros analíticos: PCR =3,1 mg/dl; eGFR=72 ml. min/1,73 m2; HbA1C=54 mmol/mol; colesterol total=136 mg/dl; colesterol HDL=39 mg/dl; colesterol LDL=47 mg/dL; rriglicerídeos=232 mg/dl; Lp(a) 210nmol/L (~85mg/dL). Jaimini Cegla assinalou que “o risco cardiovascular é elevado independentemente da etnia (Kronenberg F, et al. Euro Heart Journal.2022);43(39):3925-3946)”. “Considerando os valores reduzidos de colesterol LDL, os níveis de Lp(a) continuam a ser relevantes no cálculo do risco cardiovascular conforme mostraram os dados da coorte de Copenhaga segundo os quais, até os doentes com colesterol LDL <70 mg/dl apresentavam risco cardiovascular (Madsen CM, et al. Atheroscl Tromb Vasc Biol.2020);40(1):255-266)”, salientou Christie Ballantyne. Adicionalmente, os níveis elevados de Lp(a) aumentam o risco de novos eventos cardiovasculares major a longo prazo (Zhang H, et al.Journal of Clinical Lipidology 2023) e eventos isquémicos em doentes submetidos a intervenções coronárias percutâneas (Yoon H, et al. JACC Cardiovascular Interventions.2021), como ocorre neste caso. Por outro lado, os níveis elevados de Lp(a) também estão associados a aumentos de inflamação na parede arterial e ativação de monócitos (van der Malk FM, et al. Circulation.2016;134 (8):611-624). Em relação às medidas a tomar na presença de níveis elevados de Lp(a), Jaimini Celga apelou ao rastreio em cascata da família e apontou algumas opções terapêuticas, suportadas pela evidência, para reduzir o risco cardiovascular global. (Shwartz GC, et al. Atherosclerosis.2022;349:110-122; Hoogeven RC; Ballantyne C Clin Chem 2021;67(1):143-153). Em relação a opções terapêuticas para redução de eventos nos doentes com elevação de Lp(a) há dados que apontam para o benefício de aspirina, estatinas, iPCSK9 e aférese de lipoproteína E quanto à terapêutica sistémica os iPCK9 tem algum efeito em diminuir Lp(a). Adicionalmente, recomendou a gestão de todos os fatores de risco cardiovasculares relacionados com o estilo de vida, com os níveis de glucose, pressão arterial, peso, dieta e hábitos tabágicos (Garcia M, et al. Circ Res 2016;118(8):1273-1293). Concluindo: Os níveis elevados de Lp(a) aumentam o risco cardiovascular em todas as etnias (Metha A et al. Atherosclerosis.2022:349-42-52); Valores elevados de Lp(a) estão associados a eventos cardiovasculares regulares (Zhang H, et al. Journal of Clinical Lipdol.2023; May19); Devem ser intensificados os tratamentos com as terapêuticas hipolipidmiantes disponíveis e geridos todos os fatores de risco (Yoon YH et al. JACC Cardiovascular Interventions.2021).

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