Jornal Médico - O desafio do envolvimento pulmonar no lúpus

O lúpus eritematoso sistémico (LES) foi um dos temas em destaque na sessão “Doenças autoimunes com envolvimento pulmonar”, que decorreu no dia 15 de setembro, no âmbito das 18.as Jornadas de Pneumologia em MGF dos Açores e Continente, em Ponta Delgada. Mariana Sebastião, interna de formação específica de Reumatologia do Hospital do Divino Espírito Santo, abordou, na sua preleção, as manifestações mais comuns - e também mais raras e catastróficas - desta doença multissistémica, com foco no envolvimento pulmonar. “O lúpus eritematoso sistémico (LES) é uma doença autoimune multissistémica crónica, significativamente mais frequente em mulheres, que tem por base o mecanismo de produção de autoanticorpos nucleares, um padrão de evolução flare-remission, sendo os sintomas constitucionais, musculoesqueléticos e cutâneos os mais comuns e mais precoces”, começou por contextualizar Mariana Sebastião, explicando que “devemos suspeitar de LES quando existirem manifestações de dois ou mais sistemas - constitucionais, mucocutâneas, musculosqueléticas, hematológicas, renais, serosas e neuropsiquiátricas”. De acordo com a médica interna de formação específica de Reumatologia, “a lista de manifestações é extensa”, sendo “as mais prevalentes e com impacto prognóstico e potencialmente graves, a fadiga (mais de 90% dos casos de LES apresenta fadiga crónica), a poliartrite, a trombocitopenia, a nefrite lúpica, a pericardite e pleurite”. Em termos laboratoriais, a principal ferramenta diagnóstica é a presença de anticorpos antinucleares (ANA’s) positivos, informando a oradora que “95% dos casos de LES apresentam os ANA’s positivos”. Estes anticorpos são determinados por imunofluorescência indireta, apresentando um resultado dicotómico - positivo e negativo -, mas sempre acompanhados de titulação e padrão, “muito importantes para ajudar no diagnóstico”, referiu. Em termos práticos, “o título >1:160 é considerado positivo”, o “padrão nuclear mosqueado e membrana nuclear é o dos mais específicos para o LES e o padrão finogranular dos mais inespecíficos e presente em indivíduos saudáveis”. Contudo, como frisou a preletora, “este padrão em baixo título, e principalmente na ausência de manifestações clínicas do LES, não é para valorizar”, reforçando que “a maioria dos doentes com ANA’s não tem lúpus” e os ANA’s positivos em baixo título ocorrerem em 10-15% dos indivíduos saudáveis e a sua prevalência em indivíduos saudáveis também aumentar com a idade”. A este propósito a oradora chamou a atenção para o facto de “continuar a ser muito recorrente a solicitação de ANA’s sem manifestações clínicas que o justifique”. Envolvimento pulmonar é muito prevalente Em termos do envolvimento pulmonar, “este é muito prevalente nos doentes com LED (50-70%)”, destacou Mariana Sebastião. No entanto, “raramente é a apresentação inicial, surgindo normalmente em fases mais avançadas da doença, e com um espectro muito alargado, que vai desde a presença de derrame pleural assintomático até hemorragia alveolar difusa potencialmente fatal”. De acordo com a médica, o LED pode afetar qualquer um dos componentes respiratórios, “sendo a manifestação mais comum a presença de serosite pleural (pleura) – recorrente em 45% dos doentes, assintomática e benigna”. Componentes respiratórios e manifestações de LED: O que saber Pleura: Serosite pleural – A maioria das queixas, que são ligeiras, “são resolvidos com anti-inflamatórios não esteroides (AINE’s)”; já a “corticoterapia resolve a grande maioria dos derrames de maior volume e/ou sintomas intensos e a presença de serosites crónicas, refratárias ou recorrentes podem justificar a utilização da hidroxicloroquina – a terapêutica chave e base de todos os doentes com lúpus; depois, muito raramente, e em casos mais graves e recorrentes, pode ser preciso realizar uma intervenção cirúrgica”, explicou Mariana Sebastião. Quanto ao diagnóstico, este é “realizado através da radiografia ao tórax ou de toracocentese, para um diagnóstico diferencial”. Parênquima: Pneumonite lúpica aguda (PLA) - “A PLA é, felizmente, uma patologia rara (1-4%), pois é catastrófica (mortalidade de 50%)”, destacou a médica, informando que “resulta de uma exacerbação da doença de base, é de instalação súbita e rapidamente progressiva (com instabilidade hemodinâmica e insuficiência respiratória grave), febre, tosse e dispneia (diagnóstico diferencial com infeção respiratória grave e ARDS)”. Em termos imagiológicos, “as alterações da TAC ao tórax são muito inespecíficas” notou, acrescentando que, “o diagnóstico diferencial com infeção respiratória grave é muito importante, até porque o tratamento envolve imunossupressão em elevadíssimas doses com prednisolona ou pulsos de metilprednisolona – e devemos ter a certeza que não é uma infeção respiratória concomitante”. Por fim, “deve ser sempre administrada antibioterapia de largo espetro”, afirmou. Doença pulmonar intersticial (DPI) – “Entre as patologias do tecido conjuntivo que estão associadas à DPI, o lúpus é a que tem menor prevalência e a que tem o melhor prognóstico”, referiu a preletora, lembrando “a importância da TAC ao tórax de alta resolução e as provas de função respiratórias para o diagnóstico e monitorização dos doentes”. Vascular Hipertensão arterial pulmonar (HAP) - A HAP é relativamente comum (prevalência até 20%). É definida por uma pressão arterial pulmonar média superior a 20 mmHg e apresenta uma taxa de sobrevivência de 89% aos três anos. “Inicialmente, os sintomas da HAP são inespecíficos e indolentes, como dispneia de esforço e fadiga. No entanto, ao longo do tempo, a HAP pode evoluir para insuficiência cardíaca direita, que é a principal causa de morte”, explicou Mariana Sebastião, referindo que “a principal ferramenta de rastreio é o ecocardiograma transtorácico, que permite estimar a pressão arterial da artéria pulmonar através de avaliação do fluxo de regurgitação da tricúspide, sendo o diagnóstico definitivo por cateterismo direito”. De acordo com a oradora, “a HAP representa metade dos casos no LES, com alterações intrínsecas da parede da artéria pulmonar, ocorrendo os outros 50% pelos restantes mecanismos (doença do coração esquerdo, fibrose pulmonar, tromboembolismo arterial pulmonar)”. Aliás, como destacou a médica, “os doentes com lúpus têm fatores de risco para todos estes mecanismos, acabando a maioria dos doentes por ter vários mecanismos em simultâneo”. Este aspeto é “muito importante”, como sublinhou a palestrante, pois “apesar das terapêuticas eficazes para o tratamento da HAP não serem inúmeras, são adaptadas sempre ao mecanismo subjacente da HAP”. Hemorragia alveolar difusa – “Esta é uma patologia extremamente rara (1-5%) - associada à nefrite lúpica - mas potencialmente catastrófica, ainda mais do que pneumonite lúpica aguda, devido ao facto de cursar numa fase inicial do LES”, informou, acrescentando que “tem um diagnóstico precoce difícil, apresentando alterações imagiológicas inespecíficas”. Quanto às queixas, estas são “a dispneia súbita e febre e taquicardia, queda de hemoglobina e infiltrados difusos bilaterais”. A oradora lembrou ainda que “não existem orientações terapêuticas para esta complicação que é rapidamente progressiva”. Tromboembolismo pulmonar – “O LES é fator de risco tromboembólico, existindo a presença de anticorpos antifosfolipídicos (AAF’s) no LED”, salientou a médica, notando que “o risco de fenómenos embólicos é de 35 a 42%”. A oradora explicou ainda que “o tromboembolismo pulmonar crónico predispõe a HAP” e que o seu diagnóstico é feito por angio-TAC tórax. Por fim, observou que “os doentes com lúpus com AAF positivos e com história de tromboembolismo pulmonar ou trombose venosa profunda, precisam de fazer varfarina a vida inteira”.

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