Jornal Médico - António Massa: a teleconsulta em dermatologia “a nosso ver, não é a solução ideal nem desejável”

“A teleconsulta foi um modelo que aumentou durante a pandemia, dado que as pessoas tinham receio de recorrer à consulta presencial, e assim evitar o risco de contágio”. Quem o diz é António Massa, presidente da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV), que, em entrevista ao Jornal Médico, abordou o impacto da pandemia nas doenças dermatológicas, no acompanhamento dos doentes no funcionamento dos serviços, refletindo ainda sobre a teleconsulta como ferramenta alternativa e as suas repercussões a médio e longo prazo. Jornal Médico (JM) | Como avalia o impacto da pandemia na prestação de cuidados aos doentes com patologia dermatológica? António Massa (AM) | Eu diria que esteve em linha com o que sucedeu nas outras áreas, ou seja, as pessoas tinham receio de ir aos hospitais por saberem que láhavia mais doentes internados com Covid-19, o que levou profissionais de várias áreas a serem deslocalizados para tratar doentes exclusivamente de casos relacionados com a pandemia; julgo que não havia tanta hesitação na hora de ir a consultas fora dos hospitais, pelo que a partir de maio de 2020 a situação foi-se regularizando. Os números de fatalidades que temos hoje são ligeiros, ultrapassado que está o período trágico, de janeiro a março. JM | E no funcionamento dos serviços? AM | Todos os serviços ficaram em determinado momento vocacionados para tratar doentes Covid-19. As cirurgias ficaram suspensas, em razão de tanto os blocos, como a tecnologia terem ficado ao serviço dos doentes mais graves para suporte respiratório. Os médicos foram deslocados para onde faziam falta. Tudo isto foi muito falado, o que significa que nada mais teremos a acrescentar. JM | As doenças do foro dermatológico afetam a qualidade de vida de quem as possui. As proteções que foram impostas contra a Covid-19 (máscara e desinfeção das mãos) agravaram os sintomas? AM | Sim, afetam um pouco as doenças dermatológicas e a qualidade de vida. Se começarmos pela face, se esta não estiver bem cuidada e, ainda por cima, em contacto próximo, se trabalhar com o público, mais dificuldade em passar a mensagem que se impõe nestes tempos que enfrentamos. Por exemplo, num quadro de rosácea, com ambientes quentes, comidas salgadas, picantes ou momentos de maior tensão o mau aspeto exacerba-se. A maior tensão nervosa gera, até maior tendência para a queda de cabelo. Nas mãos, com lavagens frequentes, que devem ser reservadas sobretudo para as palmas, pelo contrário, devemos ser mais cuidadosos com o dorso. Aqui observaram-se com maior frequência eczemas irritativos, uma vez que destruímos a camada gorda da pele que nos protege. Fomos observando e corrigimos com indicações de evitar, lavar tantas vezes as mãos e reduzir o uso de os sabões ou gel no dorso. A máscara é um bem necessário porque, de facto, evita o contágio, que se pensa ser o grande responsável pela transmissão do Covid-19. Claro que o calor e a humidade provocam uma certa oclusão que nos faz suar na face e nos lábios e acentua o rubor. Quando sós podemos e devemos tirar a máscara. JM | Qual é a importância de alertar para a identificação dos sintomas, de modo a que os doentes não tenham resistência a procurar o médico nesta altura? AM | A pandemia parece estar controlada; sem utilização de máscaras, como vimos no fim de semana em Espanha e nos festejos da consagração do Sporting, oxalá não tenha consequências gravosas para quem lá esteve e, por seu intermédio, para o aumento dos contágios. E daí, é de equacionar o impacto negativo no turismo e consequente perda de postos de trabalho para quem tando precisa, o País e as pessoas. Devia a Lei prever punição, que fosse efetiva para desincentivar tais atos. Lei essa que deveria ser para todos e não lançar o odioso nas forças de segurança que nos defendem. JM | A teleconsulta em dermatologia acabou por ser um modelo adotado durante a pandemia. Recorreu a esta nova ponte de diálogo? AM | Pelas razões já indicadas, a teleconsulta foi conquistando o seu espaço e o seu tempo. A nosso ver, não é a solução ideal nem desejável. Desde os tempos do ensino, em que dizíamos parafraseando H.Siemens, “A pele mostra o que tem para dizer com lesões e não com palavras” ou seja, a observação e muitas vezes com a palpação das lesões e o enquadramento em todo o corpo, tal só é possível, à data de hoje, na consulta presencial. Não excluo, que perante um “sinal”, não se possa dar um parecer, uma opinião; no entanto, tem de haver cuidado porque algumas seguradoras descartam responsabilidades, atribuindo-as aos médicos. Em Detroit dizia-me o diretor de serviço, antigo presidente da Academia Americana, que eles fazem teledermatologia meia hora, três vezes por semana, sobretudo para pessoas muito distantes e presidiários. Implica observação por dois médicos, um próximo do doente e outro a ver as imagens. JM | Que impacto a curto/médio prazo poderá vir a ter esta situação no tratamento das doenças dermatológicas? AM | Como em todas as doenças, quanto mais cedo for diagnosticada e mais cedo se iniciar o seu tratamento, tanto melhor. E isso é válido para a acne, como para a queratose actínica. O próprio melanoma, de que tanto se receia hoje, tem de ser controlado e a cura pode acontecer se for detetado precocemente. E se há especialidade muito experimentada nesse contexto é a dermatologia, pois só lidamos com a pele. Resulta daí o nosso alerta que se deixa às pessoas quando confrontadas com o aparecimento de sinais, ou se o seu aspeto entretanto mudou… perante sinais, se mudou. Procure o seu médico ou dermatologista. JM | Qual é a importância do diagnóstico precoce na doença dermatológica? Esse impacto incidirá mais sobre alguma(s) patologia(s) em particular? AM | Vem aí o 19 de maio, dia do Euromelanoma, com centros abertos para despiste grátis. A SPDV, em parceria com a Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo (APCC) que tem dinamizado esta ação, os doentes terão a possibilidade de ser diagnosticados e conhecer as terapêuticas adequadas, evitando males maiores porque, ainda e sempre, a prevenção pode fazer a diferença. Que o mesmo é dizer, se diagnosticado a tempo, o melanoma pode ter cura.

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