Jornal Médico - Incongruência de género: estratégias médicas que permitem aliviar o sofrimento físico e psicológico

As diferentes possibilidades terapêuticas para os jovens que sofrem de disforia de género foram apresentadas por Carla Pereira no Congresso Nacional de Pediatria. A terapêutica com bloqueadores da puberdade, trata-se de uma intervenção médica reversível, que tem como principal objetivo melhorar a qualidade de vida e os sintomas disfóricos. Na mesa-redonda dedicada à medicina do adolescente, Carla Pereira falou sobre disforia de género, situação que acontece quando existe incongruência entre o sexo ao nascer e a identidade de género e quando esta incongruência afeta áreas importantes da vida nas esferas social, escolar e comportamental. A oradora exerce na Consulta de Endocrinologia Pediátrica do Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, na qual quatro médicos pediatras, com diferenciação em Endocrinologia, dão resposta a estes casos, desde 2017. A partir de 2019, verificou-se “um aumento muito significativo das referenciações por este motivo”. Carla Pereira abordou as diferentes possibilidades terapêuticas. “Recebemos jovens que estão em grande sofrimento, físico e psicológico, resultante da incongruência de género. Existem vários tipos de intervenção médica possível”, referiu e particularizou as terapêuticas reversíveis, utilizando bloqueadores da puberdade, que são a primeira linha de intervenção. “É possível bloquear alguns efeitos da puberdade, nomeadamente certos caracteres físicos, que vão agravar a sintomatologia depressiva e a ansiedade. É uma terapêutica injetável, feita de três em três meses, que pode ser utilizada em casos selecionados. Os utentes são primeiro avaliados pela equipa de saúde mental e por nós, endocrinologistas. Avançam para a terapêutica se houver indicação médica e concordância por parte da família”, explicou, frisando que esta terapêutica não é definitiva. “Se for suspendida, a/o jovem retoma a puberdade. É uma abordagem médica que tem o objetivo de melhorar os sintomas disfóricos destes jovens.” Ou seja, esta “é a primeira parte da abordagem médica”, notou a oradora, explicando que “pode haver progressão para a terapêutica hormonal de afirmação de género, em que são prescritas hormonas que estão de acordo não com o sexo biológico, mas sim com a identidade de género do jovem. O processo pode culminar com a terapêutica cirúrgica, realizada apenas na idade adulta”. São referenciados jovens de qualquer idade, desde o Algarve ao Centro do país. “Já tivemos referenciações de crianças de 6-7 anos de idade. A identidade de género é definida relativamente cedo. Por volta dos 3 anos, as crianças já se identificam como rapazes ou raparigas. A partir dos 6 anos já há uma consistência nessa identidade de género. Porém, não é tempo de fazer qualquer intervenção farmacológica”, sublinhou Carla Pereira. “A criança ainda não tem capacidade de decisão sobre o seu futuro, portanto são consultas de vigilância e de acompanhamento também para as famílias se sentirem apoiadas”, salientou, considerando que “é preciso realizar mais ensaios clínicos para termos mais evidência científica e avançar com maior certeza nas decisões sobre as diferentes opções terapêuticas”. Como este é um processo difícil, é fundamental o acompanhamento psicológico adequado, pelo que há uma estreita articulação com a equipa de saúde mental. “A avaliação é feita caso a caso, as decisões são personalizadas e o tempo do acompanhamento até ao início de qualquer terapêutica varia de pessoa para pessoa”, realçou a palestrante. Aumento do número de referenciações Em 2017, houve a primeira referenciação por disforia de género para a Consulta de Endocrinologia Pediátrica do Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Em 2018 e 2019, o número de referenciações aumentou para quatro a cinco por ano. Nos últimos anos, segundo Carla Pereira, a média por ano é de aproximadamente 20 a 30 referenciações. “Só no ano de 2023, até ao final de abril, já tinham sido referenciados 14 jovens”, apontou a especialista acreditando que o aumento do número de referenciações de deve ao facto de as pessoas “terem conhecimento da existência de consultas especializadas onde podem ser acompanhadas”, mas também porque “os jovens têm hoje em dia mais abertura para falarem com a família sobre o que sentem e os pais procuram cuidados médicos adequados”. Avançou também que no âmbito da Direção-Geral da Saúde “existe um grupo de trabalho, no sentido de serem criadas normas de orientação dirigidas aos diferentes profissionais de saúde e de haver uma melhor organização dos serviços no que diz respeito à prestação de cuidados de saúde a estes utentes”.

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