Jornal Médico - Evolução da Pediatria conduziu a melhoria dos indicadores de saúde

Com larga experiência na direção da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), André Graça assumiu a presidência no início deste ano. Em entrevista ao Jornal Médico, referiu as principais áreas de atuação para o mandato e sublinhou a melhoria dos indicadores de saúde em Pediatria, um tema que foi incluído no programa científico do 23.º Congresso Nacional de Pediatria, que decorreu entre os dias 25 e 27 de outubro, no Estoril. Saiba mais na edição 147 do Jornal Médico. Jornal Médico (JM) | A Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) completou 75 anos de existência em 2023. O que destaca na evolução registada nesta área da medicina aos longo destes anos? André Graça (AG) | A evolução, não só da Pediatria como da Medicina em geral, levou a uma melhoria muito significativa de todos os indicadores de saúde, que nos tiraram das piores posições ao nível europeu. Essa melhoria traduz o trabalho desenvolvido por múltiplos agentes de saúde, sobretudo nas áreas da Pediatria e da Saúde Pública. A vacinação e as melhores condições de vida da população tiveram um impacto muito grande, sendo fundamental tudo fazer para manter os resultados alcançados. JM | A mortalidade infantil é claramente um desses indicadores que refere. AG | A mortalidade infantil, mas também a mortalidade abaixo dos cinco anos e a mortalidade materna que também é importante na área perinatal. Em Portugal, esses indicadores são muito bons, sendo inclusive melhores do que os de vários países com melhores condições económicas que o nosso, o que significa que obterá obtenção de bons indicadores em saúde não reflete diretamente a magnitude do investimento em saúde. Ou seja, é também fundamental o trabalho das pessoas, a tomada de decisões e a forma como a população adere às recomendações. Em Portugal, a adesão da população é muito boa, como se pode verificar, por exemplo, pela excelente cobertura vacinal existente. JM | O Programa Nacional de Vacinação (PNV) foi decisivo para a melhoria dos indicadores? AG | Seguramente. O PNV ainda não é totalmente gratuito, porque existem vacinas que são recomendadas pelos pediatras, mas que ainda não foram incluídas no PNV, porém, a realidade é hoje muito melhor que há 10 anos. Conseguimos boas taxas de vacinação para algumas vacinas, relativamente dispendiosas, que demoraram a ser incluídas no PNV e que não estavam ao alcance fácil de todas as famílias, em termos económicos. Felizmente, a maioria das vacinas que são consideradas muito importantes já foram incorporadas no PNV. JM | Como classifica a evolução do indicador da mortalidade nas últimas décadas? AG | Desde os anos 60 que a redução é muito expressiva, atingindo hoje valores residuais. Há uns anos os valores eram preocupantes. Atualmente, a mortalidade infantil situa-se entre 2 e 3/1000, sendo este um valor muito baixo. Obviamente, existem situações inevitáveis que vão provocar mortalidade. É importante que permaneçam apenas os componentes inevitáveis e não os evitáveis. Há sempre um risco, por isso é fundamental alertarmos para a realidade de outros países com situações económicas mais favoráveis que Portugal, mas que têm taxas mais elevadas, o que significa que não é por haver menos investimento, mas sim por haver uma menor adesão à vacinação, por exemplo. Por exemplo, no nosso país não existem mortes por sarampo há muitos anos, porque temos uma taxa de vacinação acima dos 95%. Noutros países, nomeadamente da Europa e EUA, devido aos grupos anti vacinação, é impossível atingir essa taxa e todos os anos surgem casos de sarampo. JM | No início deste ano assumiu a presidência da SPP. Poderia indicar as principais áreas de atuação da direção que vai liderar até 2025? AG | Ao longo dos anos a que pertenço à direção da SPP foram incorporadas todas as mudanças que entendíamos adequadas para um presente relevante para os pediatras portugueses, bem como um futuro melhor e sustentável. Definimos como principais áreas de atuação contribuir para a formação dos mais novos, nomeadamente dos internos, com cursos, estágios e bolsas. Outro aspeto muito importante prende-se com a promoção da investigação pediátrica, que em Portugal não é tão forte como poderia ser, também por dificuldades no acesso a financiamento. A SPP, dentro das suas capacidades financeiras bastante limitadas, tem tentado dar um contributo nesta área. Também pretendemos manter e aprofundar as colaborações institucionais com outras organizações relacionadas com a saúde da criança, nacionais e internacionais. A título de exemplo, este ano, tivemos dois representantes da Sociedade Brasileira de Pediatria, com a qual estabelecemos uma parceria crescente, sobretudo numa iniciativa lançada há cerca de ano e meio de um grupo de Pediatria para os países de língua portuguesa, que contribui para a melhoria da saúde das nossas crianças e das crianças que vivem em países que ainda têm sérios problemas, que estão na origem de indicadores de saúde muito preocupantes. Muitas vezes, com pequenas medidas, conseguem-se grandes resultados e estamos muito empenhados e com fortes expectativas acerca desta iniciativa da Sociedade Brasileira de Pediatria, que solicitou a nossa participação e que muito nos honrou. JM | Os temas abordados no Congresso Nacional de Pediatria são diversos e bastante variados. Como é que é definida a estrutura deste evento? AG | A SPP resulta da associação de 19 sociedades de especialidade, que anteriormente eram denominadas seções. O programa científico do Congresso é elaborado com base nos temas que cada sociedade considera relevantes. O conceito do Congresso é contribuir para a formação e atualização, permitindo que os pediatras portugueses e internos de Pediatria aprofundem conhecimentos nas áreas em que têm interesse e/ou em que necessitem atualizar conhecimentos. Os congressistas não conseguem assistir a todas as sessões, pelo que selecionam aquelas que lhes interessa assistir. Além das sociedades especializadas, a SPP criou recentemente um grupo de trabalho de internos, que depende diretamente da direção e tem um grande dinamismo. JM | Nesta edição, o programa científico do Congresso contemplou uma sessão dedicada aos indicadores da saúde, que contou com as intervenções de Henrique de Barros e de Nuno Jacinto e onde foi evidenciada a melhoria dos indicadores. Poderia deixar um comentário? AG | A vigilância da saúde infantil em Portugal é feita, no Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelos médicos de família, que são avaliados pelo cumprimento de um cronograma de seguimento, que envolve sobretudo avaliações em idades-chave e vacinação. Por outro lado, a perceção das famílias difere um pouco daquilo que é oferecido pelo SNS, pelo que muitas optam por ter um pediatra no setor privado, que habitualmente articula com o SNS na questão da vacinação, mas raramente na vigilância em idades-chave, porque não faz sentido as famílias serem obrigadas a duplicar consultas apenas para que fique registado no SNS o cumprimento do plano de seguimento, uma vez que fora do SNS os pediatras não têm possibilidade de fazer registos informáticos que permitam avaliar esse cumprimento. Se já estivesse plenamente implementado o Boletim Eletrónico de Saúde Infantil e Juvenil, todos nós introduziríamos dados clínicos da criança, que estariam disponíveis para todos, permitindo, de uma forma articulada, fazer todo o seguimento. Estes são ainda passos importantes a dar. Todavia, o que importa é que todas as crianças façam o programa de vigilância. Não interessa muito onde é feita essa vigilância, porque quer os Médicos de Família, quer os Pediatras, são plenamente competentes para o seguimento da criança saudável. Esperamos que este projeto avance e seja uma ferramenta muito útil para todos os profissionais dos setores público e privado. Além disso, vai contribuir para termos uma imagem mais real da vigilância da saúde infantil em Portugal, que só pode ser boa, caso contrário os indicadores de saúde não seriam tão bons como são. JM | Que desafios enfrenta a Pediatria atualmente? AG | Face à atualidade, um dos desafios que a Pediatria irá enfrentar é um inverno provavelmente complicado. Esperamos que seja possível dar um passo atrás em relação ao processo de contestação em curso. Tenho esperança numa plataforma de entendimento, que permita vivermos um inverno dentro da normalidade, ou seja, sem um cenário de redução significativa da capacidade de resposta à população. JM | Sente-se falta de recursos humanos em Pediatria no SNS? AG | Formar um médico leva o seu tempo e formar um especialista leva muito mais. Neste momento ainda se sente a diminuição do número de especialistas por essa via e pela crescente oferta de emprego para pediatras nos hospitais privados. Por ano, são formados 100 especialistas e, hoje em dia, têm uma opção que tradicionalmente não tinha tanta expressão. Neste momento, muitos exercem a 100% no setor privado. JM | Que balanço faz desta edição do Congresso Nacional de Pediatria? AG | O balanço é positivo, com participantes satisfeitos e salas cheias. Tivemos cerca de 1200 inscrições, sendo uma fração importante dos pediatras que existem em Portugal que são cerca de 2 mil. Foram submetidos cerca de 500 trabalhos científicos e os prémios atribuídos são essenciais para estimular a investigação na área pediátrica. Quanto ao Prémio Carreira SPP, este ano distinguimos Gonçalo Cordeiro Ferreira como personalidade marcante para a Pediatria portuguesa. Pretendemos continuar com este Prémio nas próximas do Congresso Nacional de Pediatria.

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