Jornal Médico - “Uma pessoa com patologias associadas à cavidade oral não se pode considerar saudável”

“Não devemos nunca separar a saúde oral da saúde geral”, afirma Cátia Simões, médica coordenadora da Medicina Dentária Hospital CUF Torres Vedras e membro da Comissão Organizadora do 2.º Congresso de Medicina Dentária CUF, que decorreu no passado 16 de dezembro. Em entrevista, faz um balanço desta edição marcada pela discussão e aprendizagem sobre os temas prementes da atualidade, com especial destaque para as áreas do desporto, sono e estética. Jornal Médico (JM) | O congresso “Medicina Dentária 360º” foi tripartido nas áreas: Desporto, Sono e Estética. Que critérios levaram à decisão por estas áreas diferenciadas para formar o programa desta 2.ª edição? Cátia Simões (CS) | Por ser um congresso de Medicina Dentária da CUF para os Médicos Dentistas da CUF criámos este conceito (Medicina Dentária 360º) cuja ideia central seria explorar alguns temas com diferentes visões: a visão da medicina dentária, a visão da medicina, a visão do doente, e a visão do médico dentista como pessoa. Procurámos escolher áreas com estas vertentes bem definidas, para que pudéssemos abordar este conceito. São três áreas cada vez mais presentes no dia a dia da nossa sociedade e nesse sentido temos intenção de investir no seu desenvolvimento entre as nossas equipas. JM | Destas 3 áreas em qual se tem verificado um maior crescimento? CS | A Estética é indiscutivelmente uma das áreas que, até pela importância dada pela indústria, tem tido um crescimento muito elevado. Relativamente ao sono, e por estarmos inseridos na rede CUF podemos dizer que é uma área de referência que tem crescido muito devido ao interesse do tema mas também à dinâmica da equipa da Consulta de Medicina do Sono, responsável pela área. JM | Dentro da temática da medicina desportiva, quais são os desportos de alta competição cujos atletas devem ser acompanhados mais de perto. E por que motivos? CS | Quando se fala de alta competição, o quadro de uma boa saúde geral tem que ser o principal foco. Pois o atleta de alta competição depende de um estado de saúde de excelência para permitir que este tenha a melhor performance desportiva associada. A medicina dentária e a saúde oral têm que estar associadas "neste" jogo. É importante monitorizar, ensinar e instruir que a importância de uma saúde oral para o bem estado geral é fundamental para garantir a performance desportiva do atleta. Devemos ter em atenção todos aqueles desportos onde os traumatismos orofaciais estão indicados para podermos trabalhar na prevenção destes e confecionar protetores desportivos adequados a cada modalidade e 100% individualizados a cada atleta. A participação de um médico dentista relacionado com o desporto pode mudar de várias formas a vida e a performance do atleta de alta competição. JM | Quais são os dilemas e desafios clínicos mais prevalentes no seguimento dos atletas? CS | Os atletas têm muitas vezes planos de treino delineados consoante as suas épocas desportivas. O desafio principal que possa existir é a sua sensibilização para a continuidade do acompanhamento, mas pela experiência que venho a adquirir, quando explicados e instruímos são os próprios a querer dar seguimento a esses tratamentos. Será sempre um desafio pois os timings de tratamento e o tipo de tratamentos têm que ser muito bem planeados para não interferir com as competições. Esta área requer também um conhecimento muito grande das leis do doping, pois nenhum médico dentista quer ser responsável por um atleta ser banido de qualquer competição. JM | Uma das palestras focou-se nas equipas que se dedicam a esta área diferenciada. O que tem de particular estas equipas médicas? CS | Quando se fala de Medicina Dentária desportiva o conceito de equipa multidisciplinar e interdisciplinar tem que existir. A comunicação é chave, mesmo dentro dos departamentos médicos dos clubes, federações. E tem que existir o entendimento e o conhecimento de diversas áreas fora da Medicina dentária, daí ser muito importante falar numa medicina dentária a 360º. Só assim, quando se fala de performance desportiva, é possível dar ao atleta todas as armas e vias possíveis para atingir o sucesso. As equipas multidisciplinares, diferenciadas e interligadas entre si são fundamentais para o sucesso na alta competição e a medicina dentária tem o seu papel a desempenhar. JM | O programa foi muito para além das patologias da cavidade oral, contemplando a sua interligação com outras áreas da Medicina. Como se relacionam a Pneumologia e a Medicina Dentária na gestão e partilha do doente com disfunções do sono? CS | A Medicina Dentária do sono relaciona-se com a abordagem multidisciplinar de outras áreas médicas essenciais (pneumologia, otorrinolaringologia, cirurgia maxilo facial, neurologia, por exemplo) para o diagnóstico como para algumas abordagens terapêuticas, nomeadamente na apneia obstrutiva do sono, roncopatia e bruxismo. A Medicina Dentária é, com frequência, a “porta de entrada” destes doentes que requerem uma análise multidisciplinar. Uma vez que temos uma visão privilegiada e conhecimento académico da orofaringe - que é uma das principais áreas de colapso da via área superior que promovem a roncopatia e apneia obstrutiva do sono. É importante, também, referir e salientar que na génese de uma ótima gestão e partilha de doentes está a boa comunicação/relacionamento, espírito de equipa das diferentes especialidades médicas e a prática de medicina centrada no doente. JM | Quais as mensagens-chave discutidas neste evento para encurtar o tempo de diagnóstico das disfunções do sono com relação com a Medicina Dentária? CS | As mensagens chave deste congresso da CUF relativamente à relação da medicina dentária com os distúrbios do sono, são: - é bastante importante ouvir ativamente o doente e fazer questões direcionadas ao screening de distúrbios do sono - como por exemplo: “dorme bem?”; “tem um sono reparador?”; “tem dificuldade em adormecer ou acorda várias vezes durante a noite?”; “acorda cansado e tem muito sono durante o dia?”; “Sabe ou já reportaram que ressona ou observaram que chega a parar de respirar a dormir?”, “mexe muito as pernas a dormir?”. - um exame clínico exaustivo - observar se existem: olheiras; respiração oral; desgaste dentário; macroglossia; hipertrofia amigdalina; palato alongado e/ou ogival; mordida cruzada; Torus mandibular; linha Alba da mucosa jugal e/ou língua e dentada. - se desconfiarmos da existência de algum tipo de distúrbio do sono é essencial percebermos que estes necessitam uma abordagem e análise multi/interdisciplinar; - o conhecimento sobre os vários exames complementares de diagnóstico necessários para cada tipo de distúrbio do sono, para realizarmos um correto encaminhamento para a especialidade médica necessária; JM | A respeito da estética orofacial em que condições clínicas se justifica a intervenção por critério médico? (ou seja, que não seja apenas por motivos de aparência, a pedido do paciente) CS | Relativamente a critérios estéticos na vertente médica, eu diria que há indicação quando, por virtude de uma patologia, se perdem estruturas anatómicas. Ou seja, quando há patologias invasivas que levam a perda ou alteração de estruturas e que devem ser repostas, não só por motivos estéticos, mas também funcionais. JM | O índice de saúde oral da população em Portugal também está incluído nos indicadores da saúde do país. Que ganhos gostaria de destacar? CS | A saúde oral é parte integrante da saúde geral de qualquer pessoa. Ou seja, uma pessoa com patologias, sejam elas quais forem, associadas à cavidade oral não se pode considerar uma pessoa saudável. Nesse sentido, não devemos nunca separar a saúde oral da saúde geral. A cavidade oral e todas as estruturas anexas fazem parte do corpo como qualquer outro membro ou órgão. Faz todo o sentido que os indicadores estejam todos juntos de modo a podermos avaliar “ a saúde” em Portugal no seu todo. JM | Como correu a sessão solidária? E como surgiu a parceria com a Mundo a Sorrir. CS | A sessão solidária foi excelente. Esta ideia de trazer a Mundo a Sorrir para o nosso congresso surge porque a CUF acredita na possibilidade de criar condições para uma melhor saúde oral para os mais necessitados. Temos integrados nas nossas equipas alguns membros voluntários da Mundo a Sorrir que estiveram representados pela Dra Marta Silva, que ao mesmo tempo faz parte da atual direção dessa instituição. A Dra. Marta mostrou-nos ao pormenor o que é fazer parte da Mundo a Sorrir e como podemos fazer a diferença entre os mais carenciados. JM | Que atitudes diárias os profissionais de saúde podem ter de forma a promover a sustentabilidade? CS | A sustentabilidade é uma das palavras de ordem para mudança de comportamentos. Foi muito interessante os Médicos Dentistas perceberem a importância que a CUF dá a este tema e o impacto que o mesmo tem na melhoria do nosso ambiente. No nosso dia-a-dia é possível alterar alguns procedimentos administrativos com gasto de papel tornando-os digitais. Outra atitude a promover, é a revisão da utilização de alguns materiais dentários descartáveis, com intuito de serem substituídos por outros que possam ser reutilizados, mantendo sempre os níveis de qualidade e segurança. JM | Que feedback receberam dos participantes e qual a apreciação final ao congresso? CS | A informação que temos tanto dos participantes como da CUF Academic Center é que foi um sucesso: as palestras foram úteis e houve muitas dinâmicas que tornaram este dia um dia bem passado, entre ciência, networking e convívio. Tentámos ir além do conceito de congresso científico centrado só na informação clínica e neste conceito “360º” Interessa dar importância a outras vertentes da vida do médico dentista, bem como outros aspetos em que a CUF trabalha ativamente ( sustentabilidade, solidariedade) e que, por vezes, desconhecemos. A sala esteve sempre cheia e houve sempre perguntas no fim das palestras, o que demonstra que os participantes estiveram interessados. Saímos todos motivados e certos que podemos continuar a fazer mais e melhor!

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