É possível reduzir o consumo excessivo de sal!
DATA
29/06/2015 13:44:17
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Jornal Médico
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É possível reduzir o consumo excessivo de sal!

Bastos Prof Mesquita

Pese 78% da população estar informada sobre os malefícios que uma dieta com alto teor de cloreto de sódio pode provocar, a verdade é que nos últimos cinco anos, os portugueses não reduziram o consumo e actualmente, quase toda a população (95,6%) consome sal acima do aconselhado pela OMS, cuja recomendação é de 5,5 gramas diários.

Em entrevista ao nosso jornal, o Prof. José Mesquita Bastos, Presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, afirma acreditar ser possível mudar este cenário através de acções de sensibilização junto da população, pela introdução de aceitação da proposta da rotulagem dos alimentos e sobretudo pela consciencialização dos mais novos.

JORNAL MÉDICO | Assumiu a direcção da Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH), num momento particularmente frutuoso em informação sobre a doença em Portugal. Boas notícias… Que a prevalência é menor do que se pensava, que a população está mais bem informada e que na última década a mortalidade diminuiu 40%… De entre os dados quais os que reputa de mais relevantes?

JOSÉ MESQUITA BASTOS | Segundo os dados apurados no estudo “Percepção da População sobre Hipertensão”, verificamos que, depois das várias acções de sensibilização da SPH, a população já evidencia conhecimento sobre quais as principais causas da hipertensão, referindo o sal, má alimentação e stress. Outro dado relevante é o facto de 78% da população estar informada sobre os malefícios que uma dieta com alto teor de sódio pode provocar. Por fim, foi interessante observar que a maioria da população (91%) considera útil a utilização do semáforo de cores nos alimentos embalados de forma a identificar o seu teor de sal. Este último dado dá-nos ainda mais força para continuar o nosso trabalho com o intuito de ver esta medida aprovada.

JM | Pesem as “boas novas”, a verdade é que mesmo maioritariamente conscienciosos de que o sal é a principal causa de HTA, apenas um quarto da população confessou ter entrado no “bom caminho”, reduzindo o consumo. Sensivelmente a mesma percentagem registada cinco anos antes… Como mudar este cenário?

JMB | De facto, nos últimos cinco anos, os portugueses não reduziram o consumo de sal e, actualmente, quase toda a população (95,6%) consome sal acima do aconselhado pela OMS, cuja recomendação é de 5,5 gramas diários. Acreditamos que mudar este cenário passa por acções de sensibilização junto da população, como é o caso do Dia Mundial da Hipertensão, pela aceitação da proposta da rotulagem dos alimentos e sobretudo pela consciencialização dos mais novos sobre os malefícios do sal. Embora a prevenção, detecção e tratamento da hipertensão sejam importantes em todas as faixas etárias, acreditamos que os mais novos são um dos nossos públicos mais importantes, tanto pelo seu potencial de influência no seio familiar como pelo facto de não serem tão resistentes à mudança como a população sénior. A SPH considera que a mudança de comportamentos por parte dos mais novos é um passo fundamental para, no futuro, o número de hipertensos diminuir consideravelmente. Os jovens de hoje serão os adultos de amanhã e o que queremos evitar é a existência de uma população maioritariamente hipertensa. É fundamental incutir, em toda a população, um estilo de vida saudável que inclua uma alimentação equilibrada, substituição do sal por ervas aromáticas e a prática de exercício físico.

JM | A SPH foi uma das protagonistas da aprovação, pelo Parlamento, da Lei n.º 75/2009, que limita o teor de sal no pão. Uma vitória. Que para os demais alimentos se ficou no “incentivar a informação” nos alimentos pré-embalados. Não é altura de se passar do incentivo à obrigatoriedade? O que tem a SPH planeado nesta área?

JMB | Para ajudar os portugueses a interpretar os rótulos dos alimentos e, desta forma fazer escolhas alimentares mais acertadas, a SPH propôs a rotulagem dos alimentos embalados com as cores do semáforo: vermelho para os alimentos com muito sal, amarelo com sal moderado e verde com pouco sal. A nossa proposta, que ainda não foi aprovada, prevê a utilização de cores simples que representem a quantidade de sal. É curioso o facto desta medida constar numa directiva europeia que nunca foi transposta para Portugal, um dos países que mais sal consome. Acreditamos que esta medida, além de poder ajudar as pessoas nas suas escolhas alimentares, vai também levar a alterações na produção e confecção dos produtos alimentares.

JM | Pensa ser viável – politicamente – a introdução de limites de teor de sal aos demais alimentos?

JMB | Sim, uma vez que este sistema de rotulagem apresenta várias vantagens e é encarado pela população como uma medida bastante útil. Na Europa, o esquema de rotulagem do semáforo tem sido o mais defendido, uma vez que é o sistema que mais agrada ao consumidor, pela sua utilidade na hora de escolher os produtos. O esquema da rotulagem do semáforo pode ajudar o consumidor a escolher o alimento mais equilibrado em termos de sal, não sendo necessário um grande conhecimento em termos de interpretação de rótulos. Basta o consumidor guiar-se pela indicação “verde – baixo teor”, “amarelo – teor moderado” e “vermelho – teor elevado”.

JM | A mudança cultural será, porventura, a mais difícil de operar… Estamos preparados para o que é necessário ou para o “possível”?

JMB |Sim, a mudança de mentalidades é o mais difícil. Ainda há um longo caminho a percorrer, uma vez que o consumo excessivo de sal em Portugal está culturalmente enraizado na confecção e preparação de todos os alimentos. Todos os excessos, praticados ao longo de tantos anos, têm consequências nefastas para a saúde. No estudo “Percepção da População sobre Hipertensão”, desenvolvido pela SPH, verificamos que apenas ¼ dos portugueses mudou os seus hábitos de consumo no que diz respeito ao sal, apesar de conhecerem os seus malefícios para a saúde. Ou seja, há aqui uma forte resistência à mudança. Neste sentido, é necessário focarmo-nos cada vez mais na mudança de comportamentos, para que a redução do teor de sal não fique apenas pelo pão. Aconselhamos sempre uma redução progressiva da quantidade de sal que ingerimos. Muitas pessoas afirmam já consumir pouco sal, mas a maioria está enganada. O que acontece é que o nosso paladar já está acostumado a grandes quantidades de sal desde a infância e, como tal, nem notamos.

JM | É interessante notar que nas excepções à Lei… Por pressão dos produtores, ficou o pão com chouriço, ou com azeitonas… Ou com, enfim, todos os acrescentos que tornariam certamente o produto final ilegal à face da Lei… Como prevenir neste contexto?

JMB | A atitude que a SPH pensa ser importante é a actuação pró-activa, ou seja, manter esses mesmos alimentos, mas com menor teor de sal. Sabemos que o tempo de adaptação a outro sabor com menor teor de sal é relativamente curto (8 a 12 semanas). Se diminuirmos de uma forma discreta e gradual conseguiremos atingir um teor de sal equilibrado nesses alimentos ditos “proibitivos”.

JM | Do estudo conduzido pelo Prof. Espiga de Macedo e apresentado há dias, chegou a boa notícia de que afinal a prevalência da HTA é menor do que se pensava… Mas que o controlo da doença deixava muito a desejar. Particularmente na população mais idosa. Que razões podem explicar este aparente “descaso”? (Nota: recordo que o estudo incidiu sobre população com médico de família atribuído e com pelo menos duas consultas médicas num ano, com registo de HTA, pelo que não se trata de população “a descoberto”).

JMB | Penso que não são comparáveis os resultados obtidos em estudos transversais e representativos da população portuguesa que recorre ao médico de família com estudos representativos da população portuguesa continental como foi o estudo PAP, em 2003, e mais recentemente o estudo PHYSA, representativo da população portuguesa em 2012, correndo o risco de enviesamento. Relativamente ao controlo tensional os estudos representativos da população continuam a não apresentar uma taxa de controlo aquém do desejado. Mas se compararmos o estudo PAP de 2003, em que só havia um controlo de HTA nos doentes hipertensos que estavam medicados (11,2%), com o estudo PHYSA, em que se observou um controlo tensional de 42,6%, e se associamos isso à redução do consumo de sal em 1,2 gramas, talvez possamos considerar alguma vitória na redução do AVC entre 2003 e 2012 de aproximadamente 46%. Claro que esta situação não deve colocar-nos numa posição confortável, apenas indica-nos que nos encontramos no caminho correcto. Como já afirmei, estes dados de estudos representativos da população portuguesa não podem ser comparados com estudos transversais correndo o risco de se estar a comparar realidades diferentes. O estudo PHYSA, tal como outros estudos representativos efectuados noutros países, encontraram um controlo tensional superior na população mais idosa quando comparada com a população mais jovem. Estudos transversais efectuados em centros de saúde e que se baseiam em registos clínicos são excelentes indicadores de uma realidade e servem de orientação para futuras atitudes de melhoramento, mas podem omitir uma parcela da população que nesse mesmo período não recorre ao centro de saúde, impedindo dessa forma conclusões definitivas.

JM | Outro dos dados que surpreendem, pela positiva, é a muito reduzida prevalência de HTA comparativamente com estudos anteriores, na população com menos de 35 anos de idade. Também o surpreendeu ou existe explicação plausível para os resultados (ou falta deles?). (Há quem defenda que este grupo etário é o que menos recorre ao centro de saúde, pelo que poderá haver aqui um viés nos resultados alcançados).

JMB | Maioritariamente, os estudos de prevalência da hipertensão arterial, representativos de uma população, encontram percentagens baixas de prevalência da doença em faixas etárias abaixo dos 35 anos. O estudo PHYSA encontrou uma incidência de 6,8 %. Por um lado, a prevalência de hipertensão, de causa multifactorial genética e ambiental, aumenta com a idade, bem como o conhecimento que se tem da doença e a noção da necessidade da vigilância da mesma. No estudo PHYSA o conhecimento da doença nas pessoas abaixo dos 35 anos é de 31%, enquanto que nas pessoas com idades acima dos 64 anos é de 86,1%. Estes contrastes poderão reflectir, em parte, a assiduidade de cada faixa etária na assistência médica. Contudo, estes são resultados de um estudo representativo de uma população e não devem ser comparáveis com análises que não tenham a mesma metodologia.

JM | Quais as prioridades da SPH para o biénio 2015-2017?

JMB | O objectivo primordial desta Direcção é continuar e alargar a luta contra o consumo de sal, nomeadamente na confecção dos alimentos. Há ainda um longo caminho para percorrer, tendo em conta que o consumo excessivo de sal em Portugal está culturalmente enraizado na confecção e preparação de todos os alimentos. Obtivemos até à data um grande sucesso na diminuição do sal no pão (Lei nº 75/2009 de 12 de Agosto), mas queremos incrementar a nossa luta na confecção de outros alimentos.

Outro dos objectivos é reforçar a nossa acção na rotulagem dos alimentos, através de campanhas massivas de informação à população em geral, levadas a cabo pela SPH e/ou em parceria com outros organismos com responsabilidade directa ou indirecta na área da Saúde. Profissionais de saúde, entidades governamentais e população serão essenciais para levarmos a cabo esta árdua tarefa de consciencialização. A qualidade de vida e o bem-estar da população são uma das nossas preocupações primordiais.

Tendo em conta a importância da temática do sal para os objectivos da SPH, iremos realizar o II Fórum do Sal, no dia 28 de Novembro de 2015, no Hotel Sheraton Lisboa. Vamos reunir vários especialistas nacionais e internacionais para falar sobre este tema, de forma a partilhar informações e experiências e, em conjunto, encontrarmos um caminho que se traduza em resultados práticos quanto à diminuição do consumo do sal.

Queremos, também, reforçar as nossas parcerias internacionais com outras Sociedades Científicas, particularmente com os Países Lusófonos, parcerias já expressas no Congresso que a SPH realiza anualmente.

A formação dos internos é mais um dos objectivos desta Direcção, permitindo que criem os seus próprios encontros e que possam, através de uma plataforma bilingue on-line, trocar experiências e conhecimentos.

Outros dos compromissos da actual Direcção é possibilitar aos sócios da SPH o acesso ao nosso site e nele poder ter acesso a conteúdos de formação, revistas científicas actualizadas, acesso livre à Revista Portuguesa de Hipertensão e Risco Cardiovascular, entre outros.

JM | Escola: é um sector prioritário para a SPH?

JMB | Sim e é por isso que as crianças são dos públicos mais importante para a SPH. Todos os nossos esforços recaem sobretudo nas camadas mais jovens da população, devido ao seu grande potencial de influência nos seus núcleos familiares. Gostaríamos que, à semelhança do que aconteceu com a reciclagem, fossem os mais novos a incutir o consumo de alimentos com menos sal aos familiares. O consumo de sal em excesso tem também repercussões na vida das crianças que, nos primeiros anos de vida, nem sequer o incluem na sua alimentação. O mesmo não se pode dizer em relação aos adolescentes. Estimamos que haja um aumento significativo de hipertensão nos jovens e adolescentes, resultante do consumo excessivo de sal, do sedentarismo e da obesidade. A SPH vai continuar a centrar a sua acção nas actividades que promovam a redução do consumo de sal que contribui, e muito, para a principal causa de morte em Portugal, o AVC. Os portugueses continuam a morrer de AVC, pelo que é urgente actuar a este nível. Esta vai continuar a ser a principal linha de actuação da SPH.

JM | Têm agendado o II Fórum do Sal… Quais as novidades para este ano?

JMB | O Fórum do Sal irá decorrer de 27 a 28 de Novembro em Lisboa e será composto por duas partes. Uma parte estritamente científica onde se irá analisar a situação da doença cardiovascular em Portugal, o consumo de sal em excesso e identificar onde isso acontece e escolher linhas de orientação de forma a ter uma atitude pro-activa junto da comunidade. Contaremos com a Presença do Prof MacGregor, expert mundial em sal que, juntamente comigo, coordenará os trabalhos. Haverá ainda a participação de peritos de vários países que, de alguma forma, partilham o mesmo problema. No dia seguinte as linhas de orientação que surgirem serão comunicadas à comunidade, principalmente aos actores que na nossa sociedade têm uma intervenção activa na produção, distribuição, consumo, defesa e vigilância do teor do sal nos alimentos.

JM | A formação tem assumido um lugar de destaque na história da SPH. A aposta mantém-se?

JMB | A SPH sempre apostou na formação. Esta direcção pretende continuar a desenvolver e a alargar esta área. Nesse sentido, o núcleo de internos da SPH irão levar a cabo acções por todo o país, principalmente no interior. No mês de Junho está agendada uma formação sobre auto medição arterial (AMPA) e monitorização ambulatória da pressão arterial (MAPA). O NISPH tem elementos em todo o país de forma a criar uma rede que possa desenvolver as formações que forem identificadas como importantes. Essas formações serão filmadas e colocadas no site da SPH, podendo ser visionadas pelos sócios a partir de um login.

JM | A Investigação é outra das “áreas de ouro” da SPH. O que gostaria de ver realizado até 2017?

JMB | A SPH tem também a intenção de criar um gabinete de consultoria de investigação clínica com o intuito de facilitar conselhos e orientações em projectos de investigação.

JM | A SPH tem tido a sua acção muito limitada, em termos de acção e de exposição pública, ao Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global. É para manter?

JMB | Não, a SPH pretende continuar a alargar a acção junto do público. Neste momento, está a ponderar um concurso de receitas com baixo teor de sal junto de escolas hoteleiras. As propostas vencedoras serão, posteriormente, compiladas num livro de culinária da SPH.

JM | Uma das apostas da equipa a que preside é a da internacionalização: em que é que se consubstancia exactamente esta vossa aposta?

JMB | Através das plataformas de comunicação actuais é possível a SPH e os restantes países lusófonos efectuarem workshops, conferências ou outras iniciativas que ambas as partes pensem ser importantes.

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Editorial | Luís Monteiro, membro da Direção Nacional da APMGF
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