Jornal Médico - Rui Cernadas: "Discrepâncias ou absurdos?"

Leia a habitual crónica de Rui Cernadas respetiva à edição 141 do Jornal Médico, numa abordagem acerca das perspetivas de carreira nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), sobretudo, no que concerne à falta de especialistas em Medicina Geral e Familiar. Diz o nosso Povo que nem tudo o que parece é. E se o funcionamento, ou melhor a gestão e a organização do S.N.S. e dos seus serviços de saúde, são tão complexas quanto incompreensíveis, então as suas determinantes são, mesmo para quem se movimenta ou trabalha no sector, aterrorizadoras e pruriginosas. Falemos de médicos e das necessidades do País. Uns afirmam que temos médicos que cheguem, outros que faltam clínicos. Alguns temem que os próximos anos sejam piores pelo afastamento e passagem à reforma de vários milhares deles, os que como eu estão entre os 60 e os 70 anos. Faltam médicos de família para os utentes sem eles. Mas há queixas de cidadãos de que não têm o acesso que invocam aos médicos que lhes estão atribuídos. Há utentes que marcam e agendas consultas, quer em centros de saúde, quer em hospitais e não comparecem nem informam de que vão faltar. Abundam reclamações e escasseiam soluções, os problemas arrastam-se por anos a fio e a cada governo repetem-se as promessas de políticos sem vergonha e sem capacidade de gerir os sectores que abraçam. A história da dotação de médico de família a todos os Portugueses um desses exemplos. E não fica resolvida sendo no final de cada legislatura um desastre mantido. E contudo, a falta de médicos de família é apontada como uma das causas justificativas do enorme afluxo às urgências hospitalares. A “culpa” de tamanha procura será mesmo esta? Mas então a proximidade dos cuidados primários não será maior do que a dos serviços de urgência dos hospitais? Poder-se-ia falar dos horários dos centros de saúde mas nas urgências, os picos de procura são nos períodos da manhã e da tarde. A questão das urgências é igualmente outro motivo de promessa de cada novo governo e legislatura. Porém, nada muda, nada acontece e quando acontece é sempre para pior… Os dados da OCDE apontam para uma média de 0.7 urgências por cada cidadão luso por ano! E sublinham que, no mínimo um em cada cinco episódios de urgência deveriam ser resolvidos em outro ponto do sistema. Todos estes números contam para as contas! Nos últimos anos Portugal estará a gastar um valor do produto interno bruto acima da média dos países da OCDE. Na verdade gasta, sendo cerca de 75% por financiamento público e 25% por despesa privada dos contribuintes. Ora o desperdício é o que conta numa análise à gestão do SNS. E será de desperdício que falamos quando nos referimos a consumos e utilização desadequada no recurso a cuidados assistenciais. Para além disso, os hospitais estão com uma atenção e dedicação enviesada, canalizando recursos humanos e financeiros para os atendimentos de urgência e penalizando com isso o trabalho programado e hipotecando a possibilidade de criação de unidades dedicadas a doenças crónicas. O que nos resta? Reconhecer os prejuízos e o esgotamento dos meios financeiros que deveriam ser aproveitados como investimento e não como despesa, era uma obrigação da Tutela e os governantes da saúde. Aguentar é o que sobra para os profissionais de saúde, esgotados e minados por obsessões burocráticas de quem dirige o SNS e não se foca no processo e qualidade assistencial. Aos cidadãos espera-se que um destes dias lhes seja facultado um serviço de educação para a saúde, capaz de lhes permitir escolhas e caminhos e que possam aproveitar as oportunidades que o SNS, então ainda seja capaz de lhes oferecer…

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