Jornal Médico - Uma história e uma dúvida de Natal

"O SNS em 2023 não merece a árvore de Natal." Quem o afirma é Rui Cernadas, especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF), sobre a época festiva e o panorama geral da Saúde em Portugal. Há histórias que se sucedem, por vezes inverosímeis ou inéditas e outras tantas algo familiares ou soando a algum tipo de repetição. Naturalmente que as pessoas, as culturas, as sociedades e os tempos podem influenciar tal sensação ou interpretação, mas as histórias, novas ou antigas, têm sempre o condão de nos atrair, unir e solidarizar. Talvez agora, com o Natal às portas, todos estejamos mais disponíveis e vulneráveis a boas histórias como a nobres causas e projetos de mérito… O país em que todos vivemos sofreu a passagem de ventos e chuvas fortes que se repuseram os níveis de água em muitos locais, em outros muito alagaram e estragaram. O Governo tido por imbatível, sólido na maioria absoluta e na figura absolutista de um líder otimista, algo mirolho e apenas identificando casos e casinhos onde muitas outras designações ou definições verbalizadas ou juridicamente consubstanciadas seriam aplicáveis com maior propriedade, verdade e rigor, desabou com estrondo. Os cidadãos em muitos casos nem chegaram a despedir-se, nesse tempo e trajeto, dos seus amados e queridos governantes que entravam e saíam a um ritmo frenético. Às contas certas, cuja capacidade matemática até impressiona num país em que, o grosso dos alunos diz não gostar ou ter dificuldades na disciplina, nada de semelhante ocorria ou se desenvolvia em outras áreas da governação. O Parlamento empenhou-se em leis prioritárias para a sociedade, como por exemplo no caso da “lei da eutanásia” ou na questão do enquadramento das Ordens Profissionais. A bicefalia do SNS, com um ministro da saúde, uma direção executiva que – felizmente, recebeu o seu presente de Natal antecipadamente, os seus estatutos – e toda a restante panóplia de organismos e institutos públicos da saúde deu para o torto. O SNS transformou-se rápida, decisiva e tragicamente num cenário de desvario e exemplo de falta de coordenação, de liderança e de estratégia. Urgências hospitalares a funcionar como fechos-éclair, nunca se adivinhando onde e quando estarão operacionais, médicos fartos de exceder os limites de cargas horárias extraordinárias e das 40 horas semanais de trabalho (quando com a Geringonça as outras carreiras reverteram para 35 horas), enfermeiros desmotivados, ambulâncias acumuladas e impedidas de retornar aos quartéis, enfim uma miséria pegada… Dizem que o país precisa de mais médicos. Mas os professores estão cansados, a profissão, como o sacerdócio, em crise vocacional grave, direitos e contas por refazer ou acordar, nada de bom se assegura para que, da massa estudantil cada vez menor por razões demográficas, se venham a produzir médicos em quantidade… Mas o Natal está aí e muitas vezes é pródigo em criar milagres. Os portugueses são um povo crente. Desde um passado missionário que atravessou o planeta e gravou por todos os continentes páginas de genuinidade e cruzamento, às aparições e glorificação de Fátima, ao fado que define e sulca novos caminhos e trilhos celebrando a saudade, o sofrimento e a vida dos seres humanos, temos argumentos para saber sofrer e esperar. Aliás, ainda hoje D. Sebastião não regressou. Mas o SNS precisa de ventiladores como os que foram desejados para a Covid. Desejo que não liguem a alguns dos que vieram da China e que, suponho, ainda hoje não terão chegado a ser ligados e a funcionar. Mas sejamos claros e honestos. O SNS em 2023 não merece a árvore de Natal. E pior, muito pior do que isso… Nem sabemos onde o Menino Jesus poderá nascer tal a confusão reinante entre as maternidades que assegurarão as escalas da segunda quinzena de dezembro!

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