Jornal Médico - Idade não é doença mas pode ser um desafio

Leia o artigo de opinião de Beatriz Abreu Cruz, da ACeS Estuário do Tejo e do Grupo de Estudos de Saúde Mental da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), sobre a relação entre a idade e a Saúde Mental. A Saúde Mental, felizmente, está na ordem do dia. Esta área é tão importante como qualquer outra e em todas as idades, nomeadamente nas mais avançadas. A constante evolução da Medicina permitiu o aumento da esperança média de vida, obrigando-nos a debruçar sobre a morbilidade associada ao envelhecimento, nomeadamente no que concerne à saúde mental. A idade avançada não é sinónimo de doença psiquiátrica, mas pode ser um desafio para a saúde mental. Trata-se de uma fase da vida em que tradicionalmente há que lidar com diversas perdas: a reforma, ou a perda do papel anteriormente desempenhado na sociedade, a perda ou afastamento de familiares e amigos e a perda de faculdades por vezes associada ao aparecimento de doenças. Mesmo no indivíduo saudável, estes fatores podem afetar negativamente a saúde mental, com difíceis processos de ajustamento, luto e comorbilidade com algumas doenças psiquiátricas, agravados pelo isolamento social, solidão e estigma tantas vezes presentes nesta fase. Enquanto médicos, perante um utente com queixas relacionadas com a saúde mental, cabe-nos avaliar e atuar de acordo com a situação. Há que perceber quais as queixas, os desencadeantes, qual o estado prévio e antecedentes pessoais psiquiátricos e não psiquiátricos, qual a fase do ciclo de vida em que se encontra, que apoios sociais tem, qual o impacto das queixas no dia-a-dia. Há que fazer um diagnóstico adequado: no doente idoso, sintomas neuropsiquiátricos (depressão, ansiedade, apatia, alucinações, delírios, entre outros) frequentemente ocorrem em comorbilidade com outras patologias como doença cardiovascular, DPOC ou dor crónica. Nestes casos, há que controlar o melhor possível a doença de base para minorar o seu impacto noutros órgãos e sistemas. Por outro lado, as síndromes demenciais de causa neurodegenerativa, cujo risco aumenta com a idade, podem apresentar-se com sintomas neuropsiquiátricos muitas vezes desvalorizados ou normalizados, tanto pelos familiares do doente como pelos profissionais de saúde. São comuns expressões como “isso é da idade” ou “todos nos esquecemos de coisas”. Ainda que a idade não signifique obrigatoriamente doença, é crucial fazer um adequado diagnóstico diferencial. É de considerar a história pregressa do doente, nomeadamente a existência de patologia mental prévia que possa ter recidivado ou agudizado com o envelhecimento. O médico de família pode ter um papel privilegiado no diagnóstico e acompanhamento destes utentes, uma vez que tem acesso não só à sua história anterior, mas também ao seu envolvimento e relações sociais e familiares que podem condicionar a evolução do estado de saúde. Contudo, não só como médicos, mas como cidadãos, cabe-nos desconstruir preconceitos existentes em relação à saúde mental. O destaque que tem sido dado à área tem alertado a população para a sua importância. Consequentemente, também a disponibilidade para a procura de cuidados tem vindo a melhorar. No entanto, pessoas mais idosas tendem a ser mais resistentes ao reconhecimento dos problemas de saúde mental e à procura de ajuda. A abordagem terapêutica dos idosos deve ser multidisciplinar. O tratamento farmacológico deve ser parcimonioso de modo a evitar o risco de polifarmácia e de efeitos secundários associados às alterações do metabolismo no idoso. A prevenção e o tratamento não farmacológico devem ser a base da intervenção em saúde mental. Algumas propostas passam pela promoção de atividade física, de estimulação cognitiva, de atividades em grupo e de convívio, e preferencialmente ao ar livre e com exposição ao sol. É também de reforçar a importância e necessidade da intervenção psicoterapêutica, sobretudo em quadros adaptativos (como luto, perda ou transição). Tendo em vista esta abordagem global é necessário implementar políticas de saúde que protejam e promovam a saúde mental: formar médicos capazes de tomar melhores decisões para os utentes; formar e capacitar o SNS de enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e gestores de caso; promover a literacia em saúde para sensibilizar a população geral para doença mental, a sua prevenção e procura de cuidados; garantir apoio e proteção social a idosos; e prestar apoio e formação aos cuidadores. A doença mental não é um dado adquirido pelo aumento da idade, mas a sua prevenção e abordagem multidisciplinar são cruciais para a melhoria da qualidade de vidas dos utentes e para o desenvolvimento de uma sociedade mais digna e inclusiva.

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