Jornal Médico - Portugal e o futuro: reflexões eleitorais

Leia o artigo de opinião da autoria de Lúcio Meneses de Almeida, médico Assistente Graduado de Saúde Pública e presidente do Conselho Nacional de Ecologia e Promoção da Saúde da Ordem dos Médicos, sobre a influência da crise governamental nos cuidados de Saúde. Comemoramos, no corrente ano, os 50 anos da revolução do 25 de abril. Desviada do propósito original, logo após a sua eclosão, deveu-se ao 25 de novembro de 1975 o retomar e consolidação do seu curso democrático. Independentemente de derivas revolucionárias e governativas e do desempenho económico-financeiro do País, o desenvolvimento social dos últimos 50 anos é justo motivo de orgulho nacional. Temos a geração jovem adulta mais qualificada da nossa História. E, por sua vez, a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) materializou um direito constitucionalmente consagrado. De nada serve a palavra sem a ação consequente. Os anos 90 do século passado corresponderam à década de maior e mais efetivo investimento no SNS, traduzido numa vitalidade nunca mais vista. Do ponto de vista do seu edifício legislativo, destacam-se a Lei de Bases da Saúde (lei nº 48/90, de 24 de agosto) e o icónico decreto-lei nº 73/90, de 6 de março. Este último foi um marco estruturante das “carreiras médicas” e, por conseguinte, do próprio SNS. Em contrapartida, o novo milénio foi caraterizado pelo desinvestimento político e tático. Quanto ao último ciclo governativo, este destacou-se, lamentavelmente, pela desconstrução sistemática do SNS… Não sendo as consequências deste processo totalmente aparentes, serão, com toda a certeza, irreversíveis. Assim, meio século depois da publicação de “Portugal e o futuro”, da autoria do general António de Spínola, “A crise que enfrentamos” volta a titular a situação político-económica nacional. Decorridos escassos dois meses, caía, qual maçã podre, o regime que ditou, durante longos 48 anos, os destinos do País... Sendo as eleições a seiva da democracia, é primordial que os portugueses não se deixem cair no amolecimento cívico e na indiferença partidária. E que os médicos, em particular, assumindo a responsabilidade social inerente à sua profissão e as especiais competências que detêm, intervenham a um nível cívico e político-partidário, de forma significativa. Mas antes de mais, precisamos de um Governo capaz de decidir em função das reais necessidades do País, em vez de norteado pelo calculismo demagógico. De facto, governar é fazer escolhas. Fazê-las com a coragem política e a força moral que advêm da legitimidade democrática. Ou seja, desagradando a alguns para beneficiar a generalidade. Mas sempre visando o bem de todos. Infelizmente, assistimos a uma classe política descredibilizada. Prevalece a perceção de que quem opta pela vida política o faz por ser um deserdado da sociedade civil ou porque pretende um “trampolim” para o exercício de funções principescamente pagas, numa qualquer empresa participada pelo Estado ou por este tutelada. Nessa medida, o servilismo partidário impõe-se como condição necessária à consecução de tais desideratos pessoais. São os novos condes d’Abranhos que, arrogantes na sua insegurança, pululam nos gabinetes ministeriais e nos corredores do Parlamento… A pouco edificante confrontação partidária na Assembleia da República e os mais recentes acontecimentos relacionados com membros do Governo e correlatos, em tudo contribuem para uma imagem degradada – porque degradante – da classe política portuguesa. Perante esta realidade, de nada servem os apelos a uma ética republicana há muito perdida. Nem patéticos questionários, visando identificar, em escolhidos para cargos governativos, conflitos de interesses ou antecedentes pessoais pouco recomendáveis… Os extremismos demagógicos alimentam-se de regimes democráticos débeis e moralmente exauridos. São esses os ensinamentos que a História Mundial, em especial a do século XX, nos permite retirar. Espero que, além de concorridas, as próximas eleições sejam marcadas pela civilidade universal e pela elevação entre candidatos. E que o Governo que resultar das urnas prime pela coragem decisória e pela transparência democrática, devolvendo aos portugueses a esperança perdida!

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