Jornal Médico - Open Industry Days: segurança e qualidade de genéricos rumo à equidade de acesso a medicamentos

Para concretizar a segunda edição do evento “Open Industry Days”, a Medicines For Europe, com o apoio da Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (APOGEN), preparou uma visita à fábrica Fresenius Kabi e um debate sobre o papel da indústria farmacêutica e os desafios que enfrenta, no passado dia 14 de novembro, em Tondela, Viseu. Sob o mote de “atuar internacionalmente a nível local”, a organização internacional – que representa mais de 500 companhias farmacêuticas – escolheu o palco português, de referência europeia no fabrico de genéricos, para destacar a segurança e qualidade na produção de medicamentos genéricos, biossimilares e de valor acrescentado na Europa. A linha amarela separa a zona limpa da área contaminada. Quando se entra – e antes de ultrapassar a linha – é obrigatória a realização do protocolo: retiram-se acessórios (como anéis e brincos), lavam-se as mãos, veste-se uma touca e um fato e calçam-se as coberturas para os sapatos, uma de cada vez e de forma a tocarem apenas na zona limpa. Assim se abrem as portas para uma unidade de produção de penicilina. Uma vez no interior da fábrica, o princípio é o mesmo. Por entre métodos para garantir a segurança e padrões de qualidade, desde o fornecimento de matérias, até ao encapsulamento de frascos, existem várias fases de limpeza para eliminar microrganismos e toxinas, seja nas duas câmaras de aquecimento e no arrefecimento com ar filtrado para manter o ambiente esterilizado, seja no contacto do frasco com ar estéril primeiro. Como as pessoas são a primeira fonte de contaminação, mesmo estando cobertas com equipamento de segurança (óculos, luvas, fato), os trabalhadores são monitorizados e as salas também. Após o encapsulamento, a procura por defeitos é feita manualmente em turnos de duas horas, onde o indivíduo valida cada frasco. Depois de aprovados, seguem para a rotulagem e então, com controlo pelo próprio equipamento, são embalados. Todo este processo é sujeito a constantes testes de validação e, para verificar que o processo é seguro, em vez de se utilizar o pó, recorre-se esporadicamente a um meio de cultura para confirmar que o processo garante a assepsia. Com o intuito de sublinhar a qualidade e segurança da produção de medicamentos genéricos na Europa, combatendo o receio ou as conceções erradas à volta destes fármacos, a Medicines For Europe e a APOGEN escolheram a fábrica Fresenius Kabi, no complexo industrial do Lagedo, em Tondela, para a segunda edição do “Open Industry Days”. Referência europeia no fabrico de medicamentos genéricos, a Fresenius Kabi, com mais de 70 fábricas espalhadas pelo mundo, funciona todos os dias da semana e conta com cerca de 700 colaboradores. A empresa internacional exporta para mais de 70 países, tendo a Alemanha como principal cliente, e tem como objetivo “continuar a crescer, investir e captar investimento”, declara o diretor geral da Fresenius Kabi Portugal, Glenn Luis. O papel dos medicamentos genéricos, biossimilares e de valor acrescentado Consciente da realidade portuguesa – diminuição do número de portugueses, envelhecimento da população, limitações económicas e gastos em saúde (9,1% do PIB) inferiores à média europeia –, o vice-presidente da APOGEN, Paulo Lilaia, lança a questão “como ter acesso a medicamentos?”. Na sua perspetiva, a resposta terá de passar por uma estratégia de “mais eficiência, menor custo, melhor qualidade”, tendo sempre em vista o “equilíbrio entre medicamentos inovadores e genéricos” para garantir segurança de abastecimento, acesso e sustentabilidade da indústria e dos cuidados de saúde. Em Portugal, cerca de 75% dos medicamentos utilizados em contexto hospitalar são genéricos, o que representa, no entanto, menos de um quarto da despesa em fármacos. Por esse motivo, Paulo Lilaia aponta para estas terapêuticas como uma fonte de poupança – na ordem dos 3,4 biliões de euros no período de 2011 a 2018. “Sem genéricos, os sistemas de saúde não são sustentáveis. Trabalhar só com medicamentos de patente não é comportável”. As palavras são do vice-presidente da Medicines For Europe, Marc-Alexander Mahl, que reforça a mensagem da APOGEN. A organização europeia defende que o recurso a medicamentos que não são de referência tem ainda como benefício facilitar o acesso a fármacos e permitir o uso mais regular de fármacos em casos de doentes crónicos. Não obstante, acredita que é necessário melhorar a indústria em quatro pilares: acesso equitativo para todos os europeus, responsabilidade num enquadramento regulamentar reativo, liderança no fabrico de medicamentos, e reforço à comunidade de cuidados de saúde, aperfeiçoando as terapêuticas existentes. O objetivo é “encontrar um denominador comum no diálogo entre os vários intervenientes na procura de soluções para as organizações e estruturas de saúde”. A ideia de que a produção de genéricos e de medicamentos de patente não tem de ser numa base de inimizade, mas de concorrência saudável, também foi um dos pontos frisados pelos vários oradores. Paulo Lilaia foi ainda mais longe, argumentando que o fabrico de genéricos pode atuar como incentivo ou estímulo para as empresas continuarem a investir na I&D e inovarem, criando terapêuticas. A nível de desafios, há que recordar que a indústria farmacêutica se alterou, apresentando novos obstáculos. Hoje é global na medida em que a cadeia de produção se encontra dispersa por todo o mundo, existe alguma concentração de fornecedores e as questões ambientais se tornam mais prementes, carecendo de investigação. No respeitante ao caso português, o mercado nacional é um dos maiores desafios à empresa que se instale nesta área. O diretor geral da Fresenius Kabi Portugal explica que a dívida hospitalar é um “problema grave”, a definição de um payback é difícil, a pressão sobre os preços é pesada e o passado de crise, com a troika, trouxe alguns encargos extra, dificilmente suportáveis pelas empresas de genéricos com margens menores. Desse modo, afirma que “ter apoio é um fator muito importante para o sucesso”, lembrando que “não há custo zero”, ou seja, que baixar os preços de genéricos só pode ser feito até certo ponto, para não tornar inviável a aposta no seu fabrico. A discussão teve ainda outras entidades relevantes para a indústria farmacêutica representadas, nomeadamente a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), com a especialista da fileira da saúde da empresa, Renata Silva Gomes, e o INFARMED, através do presidente, Rui Santos Ivo. Reconhecendo que “Portugal tem tido forte evolução nas últimas décadas na área farmacêutica”, com uma aposta na “investigação, internacionalização e captação de investimento estrangeiro” e com “custos operacionais competitivos e trabalhadores qualificados”, Renata Silva Gomes refere que o papel da AICEP recai sobretudo no apoio a empresas nas suas dificuldades “regulamentares ou específicas” e na promoção do diálogo e de sinergias. Do lado do INFARMED, o contributo para o debate prendeu-se sobretudo com uma mensagem de necessidade de “trabalhar na disponibilidade”, “em conjunto para encontrar soluções para medicamentos essenciais”. Em representação da ministra da saúde, Rui Santos Ivo terminou a sessão ao destacar o papel da indústria farmacêutica na mitigação do problema de falta de medicamentos e na “defesa da sustentabilidade da saúde em Portugal”, salientando que “o atual Governo continua a ver os genéricos como uma aposta para libertar recursos e melhorar a qualidade de vida dos doentes”.

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