Jornal Médico - Hugo Cordeiro: Tratamento com opioides na dor crónica do idoso “pode ser uma realidade”

“Tratamento da dor: realidade ou utopia?” foi um dos temas em foco no 16.º Congresso Nacional do Idoso, que decorreu no Centro de Congressos – Sheraton Porto Hotel, no dia 24 de junho. A sessão contou com o contributo de Hugo Cordeiro, especialista em Medicina Geral e Familiar, que abordou os temas da fisiopatologia da dor, bem como o papel dos opioides no tratamento da dor no doente idoso. Saiba mais na edição 144 do Jornal Médico. Hugo Cordeiro, médico de Medicina geral e familiar, especializado em Geriatria Clínica, fez uma apresentação sobre o uso dos opioides no idoso, começando por referir os seus efeitos quer benéficos, quer potencialmente adversos, e sublinhando desde logo que “os opioides podem ser usados no idoso em caso de dor aguda ou crónica, moderada a intensa, com claro impacto funcional, em que esta incapacidade funcional advenha de uma dor não controlada e também se a relação risco benefício for favorável”. Como explicou o orador, é “fundamental estabelecer metas realistas e gerir as expectativas do doente”, lembrando que “o objetivo não deve ser o de reduzir a intensidade da dor por si, mas sim o de melhorar a funcionalidade”. Outra regra essencial é “começar devagar, titular devagar, usar a mínima dose eficaz pelo menor tempo possível e com regimes terapêuticos simples”. Em termos práticos, a prescrição de opioides no idoso “deve iniciar-se com uma dose de 25% a 50% inferior àquela que seria prescrita no adulto jovem; num doente opioide naïve não se deve nunca na primeira administração, com uma dor controlada q.b., exceder os 5 mg de equivalentes de morfina oral e, preferencialmente, nas primeiras 24 horas não se devem exceder as 20 mg no idoso muito frágil ou as 30mg no idoso um pouco mais robusto”, informou. Já na rotação de opioides, pelo efeito titulação cruzada, “devemos ter o cuidado de reduzir em 25% ou até mesmo 50% no idoso muito frágil a dose, para evitar a acumulação de opioides diferentes no sangue”. Distinguindo depois os opioides minor dos major, o especialista destacou alguns factos a reter, nomeadamente “o facto de a codeína ser um opioide extremamente obstipante ou a enorme variabilidade de metabolização do tramadol, o que explica, por exemplo, que alguns doentes, mesmo em doses baixas sintam muita náusea, vómito e outros doentes em doses altas não sintam sequer efeito analgésico”. O orador chamou ainda a atenção para “a associação do tramadol com dexcetoprofeno poder ser uma dose excessivamente elevada sobretudo no idoso frágil e naïve”. Já em termos de opioides major, o preletor observou que “o uso da metadona implicar a realização de um eletrocardiograma prévio”. Quanto às vias de apresentação dos vários fármacos, o especialista começou por referir-se à via oral, considerando que “o tapentadol terá algumas vantagens teóricas na aplicação no idoso, uma vez que se trata de um fármaco com duplo mecanismo de ação e com eficácia na dor nociceptiva e na dor neuropática”. Ou seja, “devido à sua relativa baixa afinidade para recetores μ, o tapentadol apresenta uma melhor tolerabilidade gastrointestinal quando comparado com outros opioides major por via oral, e como é um fármaco metabolizado por reação de fase 2, vai gerar apenas metabolitos inativos, cuja acumulação não é propriamente nefasta, e tem, por isso também menos interações farmacológicas”. Já quanto aos fármacos transdérmicos, o orador mencionou a buprenorfina, “um opioide extremamente interessante, porque é um agonista parcial μ - o que lhe abre a porta, por exemplo, à associação em situações de dor crónica oncológica e em idosos robustos a outros opioides como o tapentadol – e é também um antagonismo parcial k, diminuindo a sua ação analgésica espinhal, tem um efeito anti-hiperálgico e pode inclusivamente ser usado no tratamento da hiperalgesia induzida por opioides”. Trata- se de “um fármaco com uma desagregação lenta aos recetores, o que diminui o risco de sintomas de privação e é também por isso, inclusivamente usado no tratamento e de abuso de opioides durante o processo de intoxicação de opioides, praticamente sem excreção renal, portanto, seguro no insuficiente renal”, notou o preletor. Quanto ao fentanilo transdérmico, “este não deve ser usado para início de terapêutica, porque o penso de formação mais baixa tem já uma potência excessivamente alta para a grande maioria dos doentes”, observou Hugo Cordeiro, lembrando que “se trata de um penso muito pequeno, transparente, que facilmente pode ficar esquecido na pele”. Na conclusão da sua apresentação, o preletor sublinhou que “o tratamento com opioides na dor crónica no idoso pode ser uma realidade, conquanto seja acompanhada de uma abordagem abrangente, necessariamente multidisciplinar, multimodal, acompanhada de terapêuticas não farmacológicas, após estabelecidos objetivos realistas, geridas as expectativas, com foco na função e na qualidade de vida do nosso idoso”.

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