Jornal Médico - Uma resposta crucial para enfrentar o RSV nas crianças

A Sanofi promoveu, no dia 22 de setembro, o simpósio “Vírus sincicial respiratório (RSV): perspetivas e desafios para a próxima época”, inserido nas 18.as Jornadas da Sociedade de Infeciologia Pediátrica, em Coimbra. Na sessão, os pediatras Gustavo Januário e Luís Varandas apresentaram o impacto avassalador desta doença respiratória nas crianças, bem como dados promissores sobre um novo anticorpo monoclonal que se evidencia como "uma solução eficaz, prática e segura para prevenir o RSV". Saiba mais na edição 146 do Jornal Médico. A pediatra do Hospital de Santa Maria, Filipa Prata, moderou o simpósio, promovendo vários momentos de interação com os palestrantes, bem como com a plateia, avaliando a perceção dos especialistas presentes sobre o vírus sincicial respiratório (RSV - respiratory syncytial virus). Gustavo Januário, especialista em Pediatria Médica exercendo funções na equipa fixa do Serviço de Urgência e na Unidade de Infeciologia Pediátrica do Hospital Pediátrico de Coimbra, foi o primeiro orador, tendo abordado o impacto da carga da doença e apresentado dados sobre o novo anticorpo monoclonal - nirsevimab, que, “se assume como uma solução prática, eficaz e segura na prevenção do RSV”. “Sabemos que quase todas as crianças vão ter contacto com este vírus e vão ser infetadas por ele até aos dois anos de idade e são vários os estudos que nos demonstram que o RSV é uma das principais, senão a principal causa de hospitalização em crianças no primeiro ano de vida”, começou por contextualizar o pediatra. Em Portugal, estudos como o Estudo BARI (Burden of Acute Respiratory Infections)1, realizado em hospitais públicos entre novembro e março, de 2015 a 2018, destacam a magnitude do problema. Segundo o médico, durante esse período, “registaram-se 15.214 hospitalizações de crianças com menos de cinco anos de idade potencialmente relacionadas com o RSV, sendo que, de entre essas hospitalizações, 7.243 tiveram o RSV codificado como a causa principal e, surpreendentemente, aproximadamente 95% das crianças eram saudáveis, sem condições subjacentes que aumentassem o risco de infeções graves”. Além disso, como destacou o preletor, “cerca de 85% das crianças tinham menos de um ano de idade e 72% dos casos foram classificados como graves, exigindo intervenções como ventilação não invasiva e oxigenoterapia”. Durante esse período de estudo de três anos, “a mediana do tempo de internamento foi de cinco dias e nove crianças perderam a vida devido ao RSV”, observou. Adicionalmente, “os custos diretos relacionados com as hospitalizações por RSV são significativos, atingindo 2,4 milhões de euros anualmente nos casos em que o RSV foi a causa principal, aumentando para 5,1 milhões de euros quando consideradas todas as hospitalizações potencialmente relacionadas com o RSV, o que perfaz 15,3 milhões de euros relacionados com hospitalizações potencialmente devidas a RSV”, notou o pediatra. Já em termos globais, “vários estudos comprovam que 70% ou mais das crianças hospitalizadas devido ao RSV nascem saudáveis e de termo, sendo que 50% nascem durante a época típica e 50% nascem antes da época”, realçou. No que toca às armas preventivas, o orador centrou a sua apresentação em nirsevimab, um anticorpo monoclonal de ação prolongada que foi especificamente desenhado para prevenir a DTRI causada por RSV. Como explicou o pediatra, este fármaco “foi desenvolvido para proteger todas as crianças, incluindo lactentes pré-termo e de termo que entrem na sua primeira época de RSV”, sendo “administrado através de uma dose única para fornecer uma proteção direta durante toda a época de RSV (estimada em 5 meses), podendo ser administrado concomitantemente com as vacinas de rotina incluídas no Programa Nacional de Vacinação”. Uma outra mais-valia do medicamento é o facto de “fornecer uma proteção independente do mês de nascimento”. Em termos práticos, “uma criança que nasça em maio é elegível para receber a administração de nirsevimab em outubro (se definirmos a época de novembro a março), mas uma criança que nasça em novembro poderá recebê-la logo desde o nascimento, por exemplo, aproveitando a hospitalização relacionada com o parto”, explicou Gustavo Januário. Sobre o desenvolvimento clínico de nirsevimab, o preletor referiu os “grandes estudos de segurança e de eficácia envolvendo prematuros, grande prematuros, prematuros moderados, prematuros tardios, lactentes saudáveis que vão entrar na sua primeira época de RSV, com milhares de participantes pelo menos na última década”, debruçando a sua atenção em três deles. “Os resultados do estudo de fase 3 MELODY2, que terminou em 2022 e que envolveu mais de 3012 prematuros tardios e saudáveis e bebés de termo, mostraram uma eficácia de nirsevimab de 76,4% na redução da necessidade de observação médica (avaliada 150 dias após a administração) e de 76,8% na redução da taxa de hospitalização”, sublinhou o especialista. Por outro lado, “o estudo de segurança MEDLEY3, que avaliou a segurança de administração de nirsevimab em crianças que eram elegíveis para palivizumab (grandes prematuros, com displasia broncopulmonar ou com doença pulmonar crónica e cardiopatia congénita) – estudo randomizado e controlado com palivizumab – mostrou, passado um ano, uma segurança completamente sobreponível entre os dois anticorpos monoclonais”, enfatizou o palestrante. Por último, o pediatra referiu o estudo mul[1]ticêntrico europeu HARMONIE (fase 3b)4, realizado em mais de 250 locais, três países (França, Alemanha e Reino Unido), cujo objetivo principal foi avaliar a eficácia de nirsevimab na prevenção de hospitalização por RSV. “Foram constituídos dois grupos, o grupo nirsevimab e um segundo grupo que não sofreu qualquer intervenção, ten[1]do sido randomizados 8058 lactentes saudáveis com idades gestacionais acima das 29 semanas e que entravam na sua primeira época de RSV. Destes, 4037 receberam nirsevimab”, contextualizou o orador, explicando ainda que “os grupos eram muito homogéneos” e que “dos 4037 lactentes que receberam nirsevimab, 14% eram prematuros, 23,4% eram recém-nascidos e 50% tinham nascido fora da época”. Para Gustavo Januário “os resultados são muito interessantes, tendo nirsevimab conseguido uma eficácia na prevenção de hospitalização por infeção grave por RSV de 83,2%, uma eficácia na prevenção de doença muito grave por RSV de 75,7% (definida como hospitalização com a necessidade de oxigenoterapia e ventilação) e uma redução da hospitalização por doença respiratória baixa de qualquer causa de cerca de 60%”. “Ninguém tem dúvida que nirsevimab está condenado ao sucesso” Luís Varandas, assistente hospitalar graduado sénior de Pediatria e diretor da pediatria do Hospital de D. Estefânia, abordou, na sua intervenção, aspetos práticos, relacionados com a implementação no terreno deste novo anticorpo monoclonal. De acordo com o especialista, “embora a operacionalização do fármaco possa ser o seu maior desafio – pois vai coincidir com duas campanhas de vacinação - anti gripe e anti COVID-19”, na sua opinião, “este é um aspeto facilmente ultrapassado se tivermos em conta a eficácia e segurança e o interesse epidemiológico de nirsevimab”. “Ninguém tem dúvida que vai ser um produto que estará condenado ao sucesso. Estamos em setembro e já temos internamentos por RSV e crianças com bronquiolites. Isto significa que, como é habitual, até março vai ser catastrófico e vamos assistir a uma sobrecarga brutal dos serviços de saúde, com os custos associados de milhões de euros, que são passíveis de prevenção”, reforçou o orador. Já quanto à sua administração no período neonatal, Luís Varandas considera que “não vai representar qualquer tipo de problema”, pois como lembrou, “desde há muitos anos que em Portugal temos a administração de vacinas na maternidade, nomeadamente a administração da vacina contra a hepatite B, e, como tal, penso que a administração do nirsevimab será facilitada.” Em suma, e na opinião do pediatra, “a introdução deste produto não vai ser difícil, o que poderá ser mais complicado é o custo”, que, como lembrou, “ainda não está completamente definido”, esperando o médico que “seja definido um preço aceitável”. Este artigo é da exclusiva responsabilidade e iniciativa editorial do Jornal Médico. REFERÊNCIAS: 1. Bandeira T, Carmo M, Lopes H, Gomes C, Martins M, Guzman C, Bangert M, Rodrigues F, Januário G, Tomé T, Azevedo I. Burden and severity of children’s hospitalizations by respiratory syncytial virus in Portugal, 2015-2018. Influenza Other Respir Viruses. 2023 Jan;17(1):e13066. doi: 10.1111/irv.13066. Epub 2022 Nov 14. PMID: 36377322; PMCID: PMC9835409; 2. Hammitt LL, Dagan R, Yuan Y, et al. Nirsevimab for prevention of RSV in healthy late-preterm and term infants. N Engl JMed 2022;386:837-846; DOI: 10.1056/NEJMoa2110275; 3. Domachowske J, Madhi SA, Simões EAF, Atanasova V, Cabañas F, Furuno K, Garcia-Garcia ML, Grantina I, Nguyen KA, Brooks D, Chang Y, Leach A, Takas T, Yuan Y, Griffin MP, Mankad VS, Villafana T; MEDLEY Study Group. Safety of Nirsevimab for RSV in Infants with Heart or Lung Disease or Prematurity. N Engl J Med. 2022 Mar 3;386(9):892-894. doi: 10.1056/NEJMc2112186. PMID: 35235733; 4. Drysdale S, et al. Efficacy of nirsevimab against RSV lower respiratory tract infection hospitalization in infants: preliminary data from the HARMONIE phase 3b trial. Presented at 41st Annual Meeting of the European Society for Paediatric Infectious Diseases in Lisbon, 2023

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