Jornal Médico - Recomendações para vacinação e alargamento do acesso à vacina de dose elevada contra a gripe preconizadas em documento de consenso nacional

Copatrocinado pela Sanofi e pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), o simpósio “Gripe: o Futuro da Prevenção em Populações Vulneráveis” englobou duas mesas redondas, uma delas para evidenciar “O que recomendam as principais sociedades médicas” e refletir sobre o trabalho conjunto de seis entidades científicas num documento de consenso que será publicado, brevemente, na revista Pulmonology, da SPP. Durante a sessão, que decorreu no âmbito do 39.º Congresso Nacional de Pneumologia – e à semelhança do que se pode ler na publicação – foram abordados os benefícios da nova vacina de dose elevada contra a gripe em diferentes populações vulneráveis e as mais-valias do alargamento no acesso à mesma. A gripe, não só enquanto doença com uma significativa carga epidemiológica, mas também como fator desencadeante de complicações potencialmente graves ou mesmo fatais em populações vulneráveis e com outras patologias de base, justificou que seis sociedades médicas nacionais se juntassem, pela primeira vez, para refletir sobre como otimizar o combate ao vírus Influenza – agente que, anualmente, em Portugal e em todo o mundo, continua a ser responsável por um elevado número de internamentos e óbitos. Apesar de comum, aos olhos de médicos e doentes, a gripe não pode ser subvalorizada, porque o seu impacto, na saúde e na Economia da Saúde, é muito relevante. Paralelamente, o surgimento de novas opções vacinais de dose elevada ajudou a trazer para a ribalta o debate sobre a otimização do combate à gripe que está na base do documento de consenso a publicar, em breve, na revista Pulmonology, da SPP – que deu o mote ao simpósio que copatrocinou com a Sanofi, no 39.º Congresso Nacional de Pneumologia. Além da SPP, subscrevem este consenso a Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD), a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), a Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC), a Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia (SPGG) e a Sociedade Portuguesa de Doenças Infecciosas e Microbiologia Clínica (SPDIMC). Em representação da SPP, Filipe Froes foi o especialista desafiado a enquadrar a publicação deste documento de consenso. Segundo o pneumologista, existem dados que confirmam que a gripe é “a principal doença infecciosa em termos de carga”, já que esta patologia “atinge 10% da população adulta e um terço da população pediátrica”. “O próprio European Centre for Disease Prevention and Control [ECDC] demonstrou que, na última década, antes da pandemia, a gripe era, efetivamente, a primeira doença em termos de carga”, reforçou. Assim, tal como referido por Filipe Froes, “este documento de consenso vem confirmar a importância da carga da doença” e justificar, “pela primeira vez, a nível nacional e internacional, um envolvimento de múltiplas sociedades”. Sublinhando a “importância do trabalho conjunto”, Filipe Froes ressalvou: “Após uma primeira versão do documento, já percebemos que, numa segunda, impreterivelmente, teremos de envolver outras sociedades, como é o caso da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar” (APMGF). “Temos de trabalhar conjuntamente, também com a APMGF e com os colegas de Medicina Geral e Familiar na consciencialização de que estamos perante a doença que mais carga traz aos países civilizados”, realçou. De seguida, Ana Rita Francisco, representante da SPC, afirmou que “a gripe acarreta um acréscimo enorme em hospitalizações e óbitos” no nosso país, tendo um impacto significativo não só nos doentes como em “termos de Saúde Pública e ao nível financeiro”. De acordo com a especialista, “70% dos gastos e das pessoas internadas são doentes com comorbilidades”, nas quais se incluem “doença cardiorrespiratória e cardiovascular”. “Sabemos que a gripe, por si, aumenta o risco de descompensação de uma doença crónica como, por exemplo, insuficiência cardíaca e cardiopatia isquémica, e aumenta o risco de enfarte agudo do miocárdio devido aos efeitos citotóxicos diretos do vírus e também por todas as consequências da gripe – hipoxemia, taquicardia, etc.”, assegurou Ana Rita Francisco, continuando: “Há um estado pró-trombótico na gripe que pode levar a disrupção da placa aterosclerótica. Mesmo numa pessoa sem doença subjacente prévia, mas que tenha fatores de risco, isto pode levar a um enfarte agudo do miocárdio motivado pelo episódio de gripe”. Para a cardiologista de intervenção, estes dados mostram “a necessidade de prevenção da gripe nos doentes cardiovasculares, tal como preconizado nas recentes guidelines da Sociedade Europeia de Cardiologia”, publicadas em agosto passado: após enfarte agudo do miocárdio, “os doentes têm de ser vacinados para a gripe, idealmente ainda durante o internamento”. Em linha com as anteriores considerações, Bruno Almeida, em representação da SPD, referiu que, no contexto da gripe, “há uma componente de tempestade de citocinas que vai levar a um aumento do risco de várias complicações cardiovasculares”. “No caso da diabetes, a componente de infeção pelo vírus Influenza aumenta a insulinorresistência e os níveis de glicemia. E, consequentemente, há um aumento da probabilidade de haver um outcome desfavorável quando a pessoa com diabetes contrai gripe”, esclareceu. O especialista afirmou ainda que, em Portugal, “nas pessoas com mais de 65 anos, há uma prevalência de diabetes estimada em 27%”. “É nestas pessoas mais frágeis que, muitas vezes, observamos o maior número de complicações, mais internamentos nos cuidados intensivos, pneumonias mais graves, e muitas delas vão desenvolver concomitantemente um componente de enfarte agudo do miocárdio e também de acidente vascular cerebral”, completou. Gripe: um problema de Saúde Pública? Para Sofia Duque, representante da SPMI, é inevitável responder “sim” à questão sobre a gripe enquanto problema de Saúde Pública. “Estamos em plena época de aumento da incidência de infeções respiratórias e que todos os profissionais de saúde mais temem nos hospitais – porque sabemos que os serviços de urgência ficam sobrelotados e com incapacidade de dar resposta atempada aos doentes”, frisou. E, como lembrado pela especialista, “este aumento de atividade nos hospitais não se confina aos serviços de urgência, porque muitos doentes com infeção respiratória – muitos dos quais com gripe – passam depois para o internamento, chegando a lotação dos serviços a ultrapassar os 100%”, levando a que as “pessoas fiquem internadas em macas nos corredores, de forma indigna e em risco clínico”. “Muitas vezes, atingimos os 120% de lotação e temos de ocupar vagas noutros serviços, de outras especialidades médicas/cirúrgicas”, salientou, concluindo: “Isto mostra bem a dimensão da gripe enquanto problema de Saúde Pública”. Além deste aspeto, Sofia Duque abordou também as particularidades da gripe em pessoas com idades mais avançadas: “Falamos das complicações da gripe, da hospitalização, de pneumonia e de mortalidade. Mas existem outras. Há pessoas que têm a sorte de sobreviver e que até eram totalmente autónomas, mas que, em virtude da gripe e/ou das suas complicações e do internamento, passam a ser totalmente dependentes e têm de ser institucionalizadas, ou precisam de assistência de cuidadores, formais e informais”. “Sabemos que isto representa um encargo social e económico muito importante”, declarou, reiterando: “Temos dados mais do que suficientes para perceber que a gripe é um problema de Saúde Pública”. Vacina de dose elevada contra a gripe Relativamente à nova solução de prevenção da infeção pelo vírus Influenza, a vacina quadrivalente de dose elevada, Manuel Carrageta, presidente da SPGG, enalteceu a sua eficácia, tolerabilidade e perfil de segurança favoráveis. “Sabemos que as pessoas idosas respondem menos bem às vacinas e, portanto, pretendemos que haja melhores vacinas, a par de um aumento da taxa de vacinação. E temos hoje uma vacina de dose elevada mais eficaz, que promove uma maior produção de anticorpos e uma consequente diminuição de hospitalizações, além de ser bem tolerada”, notou, declarando: “Na SPGG, defendemos a utilização desta vacina”. Segundo Manuel Carrageta, “o poder político reconheceu que esta vacina é importante para as pessoas com mais de 65 anos”, porém, limitou a sua administração a quem está institucionalizado em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI). Números mencionados pelo especialista mostram que, em Portugal, a população com mais de 65 anos é de cerca de dois milhões e trezentas mil, das quais 120-130 mil estão institucionalizadas. Por isso, na sua perspetiva, “não faz sentido que o Estado aceite vacinar as pessoas nos lares com mais de 65 anos e não comparticipe a vacina para as pessoas que não estão institucionalizadas”, lembrando que, “muitas delas, estão internadas em casa com limitações”. “Advogamos que a vacina de dose elevada seja comparticipada a toda a população. E eu, quando é possível, recomendo a vacina de dose elevada para os meus doentes com mais de 65 anos, particularmente àqueles com maior fragilidade”. Aludindo aos doentes mais idosos e com comorbilidades, Manuel Carrageta chamou a atenção para as “consequências extra respiratórias” da gripe, incidindo na ocorrência de AVC “que, provavelmente, causará mais morte do que as complicações respiratórias bacterianas, como a pneumonia”. O que deve mudar no acesso à vacinação contra a gripe? Na perspetiva de Joaquim Oliveira, presidente da SPDIMC, apesar de Portugal ter conseguido atingir “taxas de vacinação globais que estão entre as melhores do mundo e resultados muito bons na gripe”, há “um longo caminho a percorrer”, principalmente na “definição dos grupos de risco”. “Temos de ter um melhor conhecimento epidemiológico, mais investigação e melhores ferramentas de diagnóstico”. Dando como exemplo a pandemia por COVID-19, durante a qual “rapidamente conseguíamos obter diagnósticos rápidos, temos de fazer o mesmo noutras infeções respiratórias”, afiançou. Para o especialista, “a nível da estratégia vacinal, é claro que é desejável que as pessoas que mais precisam consigam ter acesso – e os estudos mostram que esta vacina de dose elevada tem melhores resultados acima dos 65 anos”. Contudo, de acordo com Joaquim Oliveira, “devemos repartir melhor esse grupo”, já que “existem pessoas com 65 anos que, em termos de sistema imunológico, têm uma performance complemente diferente de uma pessoa com comorbilidades”. “Há todo um conhecimento que existe e está em bases de dados, mas que precisamos de trabalhar para gerar conhecimento”, rematou. Por sua vez, Filipe Froes mencionou o documento de consenso e o impacto que a sua publicação poderá ter para “uma maior sensibilização, um maior alerta e envolvimento, quer da população geral, quer dos profissionais de saúde”. “É evidente que, para isso, temos de sensibilizar mais”, fazendo chegar a mensagem que fundamenta este consenso científico, aprovado por seis sociedades médicas, “à Assembleia da República e, eventualmente, ao Parlamento Europeu. Portanto, temos muito trabalho para fazer, mas o caminho faz-se caminhando e tudo é impossível até ser feito”, afirmou o pneumologista. O especialista partilhou ainda um objetivo que gostaria de concretizar: “a criação do Dia Mundial da Gripe”. No âmbito da Cardiologia, Ana Rita Francisco assegurou que “a vacinação contra a gripe é uma medida de prevenção primária tão eficaz quanto a cessação tabágica, o tratamento da hipertensão e o tratamento da dislipidemia com estatinas”. Assim, considera fundamental fazer-se “um esforço para transpor a vacinação que já existe a nível dos doentes institucionalizados para outros doentes que irão igualmente beneficiar da vacina de dose elevada”, particularmente “os mais idosos e doentes com comorbilidades, que serão aqueles que responderão menos à vacina de dose padrão”. Graças ao trabalho desenvolvido ao longo dos anos, “há uma grande sensibilização das pessoas com diabetes para a vacinação contra a gripe. Antes da época gripal começar, a maior parte dos meus utentes – e alguns deles bastante jovens – perguntam quando é que podem fazer a vacina contra a gripe”, refletiu Bruno Almeida, completando: “Temos, então, de pensar que as vacinas de eficácia superior, como esta vacina de dose elevada, devem ser alargadas a um conjunto mais vasto de pessoas. Claro que temos sempre de fazer um estudo relacionado com os custos […], mas ao alargar o acesso a este tipo de vacina estaremos a poupar nas idas às urgências, nos internamentos hospitalares, na perda de qualidade de vida dos doentes e, muitas vezes, dos cuidadores”. Além disso, acrescentou o internista, “temos de nos lembrar que as pessoas com diabetes não são só as mais idosas e que muitas destas pessoas irão beneficiar de um alargamento do acesso à vacina de dose elevada, porque a sua eficácia é, de facto, muito superior”. Segundo Bruno Almeida, “alargar a vacinação a outras faixas etárias vai ser extremamente benéfico, nomeadamente em pessoas que já têm um risco elevado de mais complicações”. A ambição de Sofia Duque é que todos os seus doentes “com 65 anos ou mais tenham a possibilidade de aceder a uma vacina que é mais eficaz para prevenir complicações graves” que podem ir “desde a pneumonia à morte, ou à perda total da autonomia e da qualidade de vida”. Questionado sobre o benefício do alargamento do acesso à vacina de dose elevada nos imunossuprimidos, Joaquim Oliveira realçou que é necessária “mais evidência para argumentar perante os decisores que esta estratégia é também custo-efetiva em pessoas com menos de 65 anos”, ainda que “a equidade deva estar na base do funcionamento do Serviço Nacional de Saúde” e que “esta vacina esteja aprovada para a população acima dos 65 anos”. Que impacto terá o documento de consenso nacional? “Alargar o documento de consenso a outras Sociedades e criar mais evidência” são os passos a seguir, na opinião de Filipe Froes, que defende ainda a criação de “uma fábrica de vacinas em Portugal e vacinação universal”. “A vacinação faz bem a toda a gente. Mas, neste momento, só estamos a dar a quem mais precisa. Ainda assim, todos precisam. E, por isso, se formos autónomos, podemos administrar vacinas a todos”, justificou. Para Ana Rita Francisco, há que “pegar no documento e mostrá-lo aos médicos das várias especialidades, para aumentar a awareness”. Olhando os dados recentemente publicados da 2.ª vaga do Vacinómetro®, a cardiologista lembrou que “a taxa de vacinação nos profissionais de saúde está abaixo do que seria desejável”. Voltando a focar os doentes e, em concreto, “os grupos com comorbilidades, principalmente nos mais novos, há muito ainda para melhorar”. “Portanto, tem de haver um trabalho junto dos médicos e também dos decisores políticos e das autoridades de saúde”, considerou, continuando: “Temos de aproveitar a disponibilidade da vacina nos doentes institucionalizados e torná-la transversal aos doentes, primeiro, acima dos 65 anos e depois, quando houver mais evidência, alargá-la eventualmente a outros grupos”. Também Manuel Carrageta classificou como “fundamental” a “intervenção e insistência junto dos profissionais de saúde”. “Campanhas de literacia para a saúde focadas nas questões relativas à vacinação” foram igualmente mencionadas pelo especialista como uma forma de sensibilização das populações. A ideia de Bruno Almeida é que se deve “balizar aquilo que é concretizável neste preciso momento”, mas olhando “para os doentes com a carga de doença que têm” – e não para uma faixa etária. Já Sofia Duque destacou como “uma grande conquista” o facto de “a vacina de dose elevada estar disponível nas farmácias comunitárias para poder ser comprada e administrada a pessoas mais frágeis, que não estão em lares e que vivem nas suas casas”. “O que ambiciono, na sequência deste documento de consenso, é que venha a ser elaborado um programa nacional que contemple, de forma estruturada, universal e tendencialmente gratuita, a vacinação para as pessoas mais velhas. Temos um programa nacional de vacinação muito focado nas crianças, que deu bons resultados e é esse exemplo que temos de seguir agora para as pessoas mais velhas – que são cada vez mais na nossa sociedade”, rematou. Este artigo é da exclusiva responsabilidade e iniciativa editorial do Jornal Médico

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